domingo, 11 de agosto de 2013

Schopenhauer chope na hora





Arthur pediu um chope. Sábado quente, cintura pélvica flertando com a cadeira plástica, mãos despreocupadas, olhadela no quadro insignificante de um cavalo pendurado torto na parede. Decoração ruim é reconfortante. Que gostoso tudo isso, pensou, apesar de, pensar que gostoso era tornava menos gostoso. Prazer é não pensar, esticar as pernas, umedecer a herpes labial com a ponta da língua e esperar pelo chope.
Esperar por algo.
Esperar por algo te leva a pensar, não fosse isso, a espera seria o nirvana.
Arthur, infelizmente, devaneou mundo adentro: Chope se bebe acompanhado. Sozinho, Schopenhauer. Acompanhado se fala. Os animais não falam; se comunicam com seus zumbidos, grunhidos, relinchos, latidos e provavelmente não se compreendem, apenas sentem. Se expressam ao sentir e escutam para sentir. Quando o homem faz algo parecido? Pensou Arthur. Quando escreve, ou lê. Poesia, preferencialmente. Poesia absurda que fala sobre gafanhotos em chamas sobre o saco escrotal de um homem apartidário. Isto é um relincho solitário em pronúncia e audição. Tudo porque inventamos uma língua lógica em um mudo razoável e a emissão de sons indecifráveis ou a pronuncia de palavras que não constroem coerente utilitário entendimento é vigorosamente repudiada, padres e psicólogos são rapidamente chamados e com suas valises tentam consertar esta símia sinfonia.
Contudo, a língua escrita aceita sofismas e outras torções, até mesmo a contestável loucura. Tudo, porque é feita sozinha. Na solidão aproxima-se de algum eu petiz pouco interessado em julgamentos, correções. Estar só é nudez sem dedos. Dois passos a entrar em algum canteiro com gramado cheirando arte, perfume voyeur, nada de intromissão.
- Seu chope, senhor.
Arthur bebeu o chope vigorosamente. Pode sentir a cevada rodopiando na infecção do lábio, um deslizar gelado, goela, goela, goela, gemeu quando terminou o copo, da maneira que aprendeu nos comerciais.
Prazer.
Sentiu vontade de conversar com alguém, mas não tinha amigos. Nem gostava de conversar, pouco sabia como fazê-lo. Olhou os arredores, não havia ninguém sozinho. Olhou para a pintura do cavalo. O cavalo estava sozinho. Anotou um recado na agenda que sempre carregava consigo, fechou-a escrupulosamente e caminhou até o dono do bar com visível repúdio (olhava de esguelha o dente de ouro do comerciante). Entregou-lhe uma nota sem dizer nada.
- Até mais ver, Schopenhauer.
Arthur fez um gesto qualquer com a cabeça.
Meu sobrenome é Poças, seu filho da puta.
Saiu do bar com a língua pousada no lábio, surpreendeu-se com um rato que corria para uma boca de lobo.
Arthur fez um gesto qualquer com a cabeça.
Estava na hora de aceitar o amor como meta e parar de pensar.
Pensou.
O que é o amor?


Tiago André Vargas
11.08.2013

Imagem de Lauren

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