segunda-feira, 20 de julho de 2015

Nunca te amei tanto - Bertolt Brecht



Nunca te amei tanto, ma soeur,
Como quando de ti parti naquele pôr-de-sol.
O bosque engoliu-me, o bosque azul, ma soeur,
Sobre que já pousavam as estrelas pálidas a oeste.

Não me ri nem um pouco, nada, ma soeur,
Eu que a brincar ia ao encontro dum destino escuro —
Enquanto os rostos já atrás de mim
Devagar empalideciam no anoitecer do bosque azul.
Tudo era belo naquele anoitecer único, ma soeur,
Nunca mais depois e nunca antes assim —
Verdade é: só me ficaram as grandes aves
Que ao anoitecer têm fome no céu escuro.

Bertold Brecht, em 'Do Pobre B.B.' 




quarta-feira, 15 de julho de 2015

Furor



Quebrei-me
As unhas
Coloquei-as
No copo
Quebrei
O copo
Coloquei-o
No vaso sem flor
Quebrei
O vaso sem flor
E comi de punhados
Cerrados
Os pedaços maiores
Os menores
Lambi
A flor
Prendi
Os espinhos no meu peito
Nu
Para sempre multifário
Abri meus braços
Dei-me de presente para
Você dilacerar aos quatro grandes ventos
Fiquei
Aos punhados
Feliz
Debaixo das tuas garras
Agora mansas
Uma a uma
Violáceas unhas
Mais firmes que o amor marfim

A menina desenhou
Uma menina
Na janela embaçada
Vamos aos pares
Vamos aos ares


15.07.2015

Tiago André Vargas


Esthia. Pintura de Antônio Saura, 1958.


terça-feira, 7 de julho de 2015

Recordação - Emily Brontë



Poema agudo de Emily Brontë, ao se lembrar da mãe e das duas irmãs mais velhas, então falecidas. Pela menção de "quinze dezembros", estima-se o tempo aproximado da triste recordação. Me agrada em especial a última estrofe do poema, a força do luto convertida na ação de abraçar o seu vazio até o ponto de não poder mais perceber o mundo incompleto.


Recordação


Gélido na terra – e a neve profunda empilhada alta acima de ti
Tão, tão distante, frio no lúgubre túmulo!
Será que esqueci, meu único amor, de amar-te,
Separado agora pelo aceno dilacerante do Tempo?…

Agora, quando só, meus pensamentos não mais pairarão
Sobre as montanhas, dessa costa ao norte,
Descansando suas asas onde as samambaias rodeiam
Teu nobre coração para sempre, cada vez mais?

Gélido na terra – e quinze dezembros selvagens,
Daquelas colinas marrons, se derreteram em primaveras:
Fiel mesmo é o espírito que lembra
Após tantos anos de turbulência e sofrimento!

Amor doce de juventude, perdoa-me se eu esquecer de ti,
Enquanto a maré do mundo está carregando-me junto:
Severos desejos e outras esperanças me envolvem,
Esperanças que obscurecem, mas não podem fazer-te mal!

Nenhuma luz tem iluminado meu céu;
Nenhuma manhã tem brilhado para mim:
Todo o bem da minha vida veio da vida que me deste,
Todo o bem da minha vida está no túmulo contigo.

Mas quando os dias de sonhos dourados desapareceram,
E até mesmo o Desespero era incapaz de destruir,
Então aprendi como a existência pode ser estimada,
Fortalecida, alimentada sem ajuda da alegria.

Então cessei minhas lágrimas de paixão inútil
Curei minha alma jovem de ansiar pela tua;
Severamente neguei-lhe o desejo ardente de correr
Para aquele túmulo que já é mais do que meu.

E, ainda assim, não ouso me deixar levar
Não ouso me entregar a dor extática da memória;
Após uma vez beber da angústia mais divina,
Como eu poderia buscar o mundo vazio de novo?




Emily Brontë

Aproveito para indicar este blog com poemas e textos das irmãs Brontë: Poesias Bronteanas.


sábado, 4 de julho de 2015

Je suis hippopotame



Do livro Quando um crocodilo engole o sol, de Peter Godwing:

"De todas as teorias que propõem explicar o comportamento antissocial do hipopótamo, minha favorita é a oferecida pelos san, os homens do mato com quem recentemente passei tanto tempo pela National Geographic. Eles acreditam que o hipopótamo foi o último animal a ser criado e que foi feito de partes que sobraram da construção de outras feras. Quando o hipopótamo viu o seu reflexo na água, ele ficou tão envergonhado de sua feiura que suplicou ao criador, Kaggan, que lhe permitisse viver submerso, longe dos olhos dos outros. Kaggan, porém, recusou seu pedido, preocupado com a possibilidade de o hipopótamo comer todos os peixes com sua enorme boca. O hipopótamo prometeu que não comeria qualquer coisa viva na água, e Kaggan cedeu. Foi fechado um acordo, segundo o qual o hipopótamo deve retornar à terra, toda noite, para comer e cagar, a fim de que os outros animais possam examinar suas fezes e se certificar de que não há espinhas de peixe nelas. A humilhação periódica da inspeção pública de suas fezes poderia muito bem justificar o caráter irascível do hipopótamo."
04.07.2015





Featured Post

Refri de laranja para quem tem sede de sonhos e outras epifanias que cabem numa fritadeira

“Algumas pessoas só conseguem dormir com algum peso sobre o corpo, eu era assim”. Foi o que eu escutei enquanto adormecia na rodoviá...