domingo, 24 de novembro de 2013

Se um dia eu for à França ninguém me venderá mamão papaia





Caminho na quinta
Tropeço na quina
Caio na feira
Sobre a verdureira
Ela é gigante
Espáduas maternais aos olhos de criança
Amor à mãe titã
Mas suas retinas de nicotina possuem malícia
Os dedos cheiram à inseticida
Ela sorri
Me colhe do chão como um morango
Pensa poder me fazer feliz
Outra caixa cheia de enganos
Começa a plantar algo em mim
Permito pois me limito ao absurdo
Ela me guarda no seu bolso de colosso
Toca-me nas coxas de tempo em tempo
Até sentir-me polpudo
Então sorri
Então me colhe
Numa quarta
Numa várzea
Durante concúbito de terra
Caibo inteiro dentro dela
Verde estou
Verde sou
Talvez enverdeça para sempre
Amargo e duro
Ela não poderá me vender na feira
Tampouco me guardar entre as tetas
Tem medo do futuro
Prefere o cônjuge aguado e seu supuro
Então me solta na calçada
Em qualquer terça
Eu também prefiro assim
Já não tropeço
Não mais caminho
Lá sozinho
Sonhando um sol marinho
Amadureço
Apodreço
E me como
Para não desperdiçar o que jamais poderei ser

Tiago André Vargas

24.11.2013


Imagem de Berk Öztürk.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Hóstias perfeitas





Pianos martelam meu sexo.
Volúpia carregada no peito e na cintura.
Rendas à prova de intentos.
Pistolas carregadas de gargalhadas desconfortáveis.
Piscar com tinta negra me faz escrever posse no contrato que é só batom com cheiro ruim, papel manteiga e focinho de bezerro. Alguém vai sorrir ao ler isso. Eu não.
A noite caiu, menina da cidade fria em fotos coloridas se assusta ao me ver como uma puta mulher.
Menina condicionada que passa condicionador sempre se assusta com gente puta. Não pela puteza e sim pela liberteza: Aquela liberdade na incerteza que por desespero ou organicidade faz o corpo gritar e a mente calar. Sábio seria o contrário, mas sem celibato. AQUI é só status assustatus. Assustam-se com tudo. E assustadas como ficam feias essas provincianas de olhos claros e cabeça de porco. Parecem bolo de três semanas com suas coxas brancas e o coração de requeijão jogando forca, sozinho, quem vai perder?
Engraçado é que têm fila para comê-las.
Hóstias perfeitas.
Tem fila pra tudo, até para morrer.
Por isso estou só, como uma puta mulher, vendida e bem comida pelos meus próprios sonhos. Pianos esmagaram meu sexo na música que eu escolhi.
Blá blá blá. Disse o bezerro, sete vezes, para dar sorte.
Homens querem ter mulheres.
Mulheres querem ser mulheres.
Homens precisam de mulheres para terem mulheres.
Mulheres precisam de homens para serem mulheres.
Gays são mais felizes por amarem algo que compreendem.
Bezerros com focinhos gelados querem grama gelada.
O papa trocou de sapatos e agora é um deus.
Marilyn Monroe é o papa com roupas diferentes.
Ser mulher até para uma mulher é o labirinto de Creta.
Ser mulher é ser um deus. Sem ser papa. Sem vestido branco sentada em um ventilador.
Feliz de quem come grama gelada.
Sozinho comprando pasto na feira.
Um livro marcado de Vergílio Ferreira.
Blá blá blá. Disse o diretor de teledramaturgia ao falar, novamente, sobre a guerra dos sexos.

A guerra não é contra o sexo nem pelo sexo. É uma guerra santa, contra nós mesmos. Seria pecado parar de lutar contra si?
Abaixe a calça e mostre o que tem aí.
Esperança?
Estou trocando por amor.
Aqui é comércio filho.


Tiago André Vargas
21.07.2013


Pintura de Iberê Camargo.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Triste trigo aos tigres





Não estou triste senhora
Sou triste
Enquanto houver trigo dou aos tigres
Triste trigo
Trigo triste
Depois dou meu pranto
No prato para os tigres comer
Depois dou um riso
Dois gritos
Três tiros
Derrubo dois tigres
Um sou eu
Outro é ninguém

 Tiago André Vargas
17.10.2013


Pintura de Salvador Dalí.

domingo, 10 de novembro de 2013

Emalado paraíso de anemia













Displicentes autofalantes cantam flume isolando-me em um universo de lataria gradeado pelas percepções dos vidros de areia e mentira, meu corpo trafega na mesma vastidão que galgam os pensamentos: condicionado ao fluxo de terceiros. Referir-se à humanidade como terceiros é o prenúncio da renúncia do amor. Dessemelhança. Quer escolher alguém? Só o amor é todo cor de vinho e cá estou, rodando através da pneumática para um destino indiferente.
Chove.
Pelo mesmo vidro assisto as pessoas correrem. Elas colocam objetos sobre as cabeças, olham obstinadas para um metro à frente dos pés. Pássaros ouvem um disparo.
Em uma paisagem azáfama algo estático salta-me aos olhos em completa homogeneidade, abrupto e feroz, sinto o desejo de referir-me a ela como uma primeira, assemelha, estanco a compassada locomoção em prol das minhas fagulhas que acreditam em algo todo cor de vinho.
Ela tinha o cabelo desprovido de cor, olhava para o céu escuro com olhos claros, banhada pela água e à margem das lágrimas, olhos luzentes suprimidos pela atmosfera soturna de um céu impresso sem tinta. Segurava uma maleta em frente ao peito, como se esta pudesse proteger seu coração de algo.
Ela olhou minha face e começou a chorar. Sentia uma dor tão extensa que não poderia despejar aquelas lágrimas sem plateia. Talvez necessitasse ser vista para compreender que tamanha dor sentida era real. Eu via a tez pálida como envoltório de sua consistência desesperançada e mortuária, seu espírito afogado através da incredulidade das corridas de terceiros pelas calçadas molhadas enquanto ela, erma e estatelada, buscava algum alento no céu e a maleta obsoleta era segurada com os resquícios do sonho a lamber os dedos: um emalado paraíso de anemia.
Contive o impulso de sair do universo de lataria, trocar uma palavra errática com aquela santa que não mendigava fé, beijar-lhe os doentios lábios verde-mar e acariciar seu cabelo enxugando chuva embalsamada que umedece todo bicho que sofre sozinho.
Os terceiros no universo de lataria começaram a se movimentar, eu os acompanhei, não meus pensamentos.
Torci o pescoço e avancei até não mais poder vê-la.
Minha alma permanecia pousada sobre o nó anelar, algo courino tocando uma alfazema, em conjunto àquela mulher que sofria úmida e de corpo abraçado à maleta. O que haveria dentro desta?

Um buzinaço.
Um pneu gemendo estridente.
Um carro capota à minha frente.
Vidros de mentira foram estilhaçados, corpos foram desmembrados e gritos de histeria contaminavam ainda mais a chuva chumbo que caía. Muitos saíram de suas latarias e correram no encalço da tragédia concebida, figurantes do dia a dia esperançosos pelo momento de usar suas fantasias.
Nada fiz.
As verdadeiras tragédias nunca são contempladas, tampouco remediadas.
Segue meu fluxo de pensamento.
Segue meu destino indiferente.
Segue a dor de alguém que alaga a calçada.
Ciente.
Eu estava dentro daquela maleta; exausto em me segurar, semoto para me abrir, absorto na incredulidade que algo há para salvar.
Como a chuva, só podemos cair. Um arrepio na medula e a vida, irão passar. 

Tiago André Vargas

10.11.2013





sábado, 2 de novembro de 2013

Grito justificado





O grito
Socialismo
Sozinho
Quem grita?

O grito só é justificado se seguido de morte
Doutro, grito desnecessário
Traz azar o grito de sorte
Cria solidão o grito do amado
A máquina também liberta seu brado
Um disparo
Não contra o sol
Mira no estômago pois lá não há amor
Sempre gostei daquele que ao ser baleado toca o próprio corpo
Como se nada o tivesse alvejado
Nenhum grito
Bravo soldado
Morre como nasce: sem saber
Contudo não chora
Somente procura
Não grita
Procura
E encontra
O grito da morte
No coração do ouvido
Absorvido
Por um pulsar inacabado

Grito justificado
Tiago André Vargas
12.09.2013


Imagem de Félix Vallotton.

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