domingo, 29 de novembro de 2015

Quando você monta em um leão não dá para apear



Você me olha como uma porra. Você me olha como uma mulher feliz no zoológico no momento excelso: a jaula do leão. Você me olha como uma mulher que não leu Beauvoir e teme a beleza do fio de cobre na garganta de um amante de diamante, pensando que, se não é vaidade, deveria ser amor. Você não diz isso para o leão, que sou. Você joga uma pipoca pela grade. Ela tem sal. Cai no meu olho. De leão. Eu poderia rugir, mas, sefoder. Você jogou uma pipoca pelo meu bem. Você jogou uma pipoca porque você possui uma pipoca e é isso que se espera de alguém com uma pipoca. Você. Sefoder. Deixo meu pau de leão rubro e inchado, como se trinta e duas abelhas tivessem picado minha pica. Você fica tão vermelha quanto minha glande. “Que horror”. A vida é um horror, queria poder dizer, esse pau é um presente. Mas só posso rugir. E eu não vou rugir. Se eu rugir as pessoas jogarão mais pipocas, as pessoas tentarão tirar a foto excelsa da minha boca aberta. (Eu aprendi hoje a palavra ‘excelso’ no dicionário de pensamento felino). As pessoas gostam das garras, dos dentes, gostam de dizer que gostam das garras, dos dentes, mas as pessoas fogem de um leão solto. As pessoas não suportam o olhar frontal de um animal livre. Não suportam um pau roxo da cor do palato do céu do sentimento. “Você parece um leão com esse cabelo. Deveria cortar”. Ela me olhava de baixo para cima. Um ângulo que favorece minha juba. Ela corre os dedos pela minha juba. Ela olha com fascínio minha juba. É o momento que nasce ou morre o amor. EU SEMPRE QUIS TER CONSCIÊNCIA DESSE MOMENTO. Se eu falar que cortarei o cabelo bang! O amor está morto. Não sabia se o queria vivo. Sempre quis a consciência desse momento e agora me arrependo de tê-la. Eu aprendi que a morte é algo ruim. Sempre. Eu deveria ter lido Céline ao invés do dicionário de pensamento felino. Eu falei: “Sefoder. Sou a porra de um leão”. O amor que nasce de uma contradição é dois miligramas mais forte. Ela me olhou como Beauvoir o fez com Algren, quando descobriu que o pau e a vida de alguém que sente são muito mais interessantes do que o pau e a vida de alguém que pensa. Ela. A cabeça apoiada no meu colo. O olhar de baixo para cima. O meu pau cutuca a sua nuca, ela sorri, meu pau cutuca novamente, ela sorri e fica angustiada, sabe que a próxima cutucada é só uma questão de tempo, que acontece, ela dá uma gargalhada e abraça minha barriga. Volta. Fica séria. Olha para os meus olhos de leão sincero e de pau inflado. “Sefoder. Sou a porra de uma mulher”. Se ela falasse, o amor nasceria em mim. Ela não falou. Em um silêncio mágico de vidro agitando o alívio do vento alísio ela me deu sete orgasmos, um par de asas e um rabo de serpente. Ela montou em mim. Colocou a serpente ao redor do pescoço delgado, como se fosse um cachecol verde com olhos malignos de rubi, depois deu um tapa na minha anca e gritou: “Avante!”. Eu bati minhas asas de grifo. O céu nos abraçou. O céu tinha passado perfume de ameixa. “Vamos para onde?”. Sou um leão taxista das galáxias. “Me leva para onde você tem medo”. Existem várias oportunidades para o amor nascer na floresta da catarse.
Ela mordeu meu pescoço, enquanto voava.
Eu rugi.

29.11.2015
Tiago André Vargas

Fotografia de Art Shay. Reza a lenda que a modelo é Simone de Beauvoir, que, surpreendida ao tomar um banho de porta aberta, disse para o fotógrafo "vous êtes un mauvais enfant / Você é uma criança má". E continuou seu banho deixando que ele a fotografasse.

domingo, 8 de novembro de 2015

Azul Adentro



Qual música você cantará?
Mulher azul de respiração azul
Quando o pulmão negro se abraçar no espelho
E os dedos secos tirarem música do pelo hindu

Quanto tempo você fica debaixo da água?
Mulher azul de respiração azul
Se a água que escorre não morre mil léguas
O tempo nos dedos, a bola planeta, só mais um vodu

No controle vermelho a rosa alfinete fura o botão do dedo
Queima a consciência de folha de bananeira em janeiro
Mas nunca a mulher azul de respiração azul
Quando os olhos lacustres engravidam a esperança que escorre no ventre nu

Nasce algo para dizer que amar é pouco
Nasce algo para lamber a morte no rosto
Afundando como uma pena no ar
Ninando-se sem saber
No pulmão negro do mar


Tiago André Vargas
08.11.2015


Fotografia de Jan Netik.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Do maturar pela arte, do maturar pela Vida – Oscar Wilde



Ontem terminei de ler O Retrato de Dorian Gray (Editora Abril, 1973). Romance do irlandês Oscar Wilde, escrito em 1891, um clássico que versa sobre a juventude, o escorrer do tempo e as mãos atadas aos desejos. A seguinte passagem me marcou, muito. Breve transcrição para enganar o tempo:

(...) Por isso, começou por dissecar a si mesmo e acabou dissecando os outros. A vida humana parecia-lhe a única coisa digna de investigação.  Em comparação com ela, tudo o mais nenhum valor oferecia. Verdade é que todo aquele que observa a vida, em seu estranho crisol de dor e prazer, não podia usar a máscara de vidro no rosto, nem impedir que os vapores sulforosos lhe perturbassem o cérebro e turvassem a imaginação com monstruosas fantasias e sonhos informes. Havia venenos tão sutis que, para conhecer-lhes as propriedades, fazia-se mister experimentar seus efeitos em si mesmo. E enfermidades tão estranhas que era preciso tê-las sofrido, para compreender-lhes a natureza. E, contudo, que grande recompensa se recebia! Em que maravilha se transformava o mundo inteiro! Anotar a curiosa e violenta lógica da paixão, e a vida emocional e colorida da inteligência, observar onde se encontram e onde se separam, em que ponto se harmonizam e em que pontos discordam – que deleite havia nisto! Que importava o preço? Nunca saía caro demais o preço de semelhante sensação.
Tinha consciência – e, ao pensar nisso, os seus olhos de ágata escura cintilavam – de que, devido a certas palavras suas, palavras musicais pronunciadas melodiosamente, a alma de Dorian Gray inclinara-se para aquela moça pura, caindo em adoração diante dela. O adolescente era, em grande parte, sua própria criação. Tornara-o precoce. O que já era alguma coisa. As criaturas vulgares esperam que a vida lhes manifeste os seus segredos, mas à minoria, aos eleitos, são-lhes revelados os seus mistérios antes de cair o véu. Às vezes, isto se dá por efeito da arte, e principalmente da arte literária, que se relaciona diretamente com as paixões e a inteligência. Mas, de vez em quando, uma personalidade complexa substituía e ocupava o ofício da arte; chegava a ser realmente, a seu modo, uma verdadeira obra de arte, pois a Vida, tal como a poesia, a escultura ou a pintura, produz as suas obras-primas.
Sim, o adolescente era precoce. Fazia a sua colheita, apesar de estar ainda na primavera. Possuía o impulso e a paixão da juventude, mas começava a ter consciência de si mesmo. Era delicioso observá-lo. Com o seu belo rosto e sua bela alma, era algo de maravilhoso. Pouco lhe importava o fim de tudo aquilo, se é que tinha um fim. Ele era como uma dessas graciosas figuras num cerimonial ou numa peça de teatro, cujas alegrias nos parecem remotas, mas cujas dores nos abrem os sentidos para a beleza, e cujas chagas parecem rosas vermelhas.
(...)

02.11.2015

Textos Não Tetos




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