sábado, 31 de maio de 2014

Escamalma



Onde as ameixas
Doam suas queixas
Cascas abertas
Finesse

Digo a quem interesse
Que um amor sem prece
Que se preze
É rezado sem mãos

Onde os olhos
Doam o lótus
Cascas fechadas
Escama alma
Amolece


Vida,

Acontece

Tiago André Vargas
31.05.2014




Imagem de Reii.



quinta-feira, 22 de maio de 2014

Inventário de uma sombra pela herança do tempo



O tempo é uma lobotomia constante para suportarmos o tempo.
Lorca viajando para Madrid ainda é um sino na minha mente. O poeta mente. É o que pensa quem não consegue ninar o amor enquanto mina sua essência mais nobre no dente afastado ao vestir-se de luto para atravessar um milharal e, escondido no sabugo, alguém ama a menina até descobrir sua vileza. Fica nos pés apenas a coceira fomentada pela solidão, remédio sim, remédio não.
Na meninice meu mundo estava no segundo andar de um pé de goiabeira. Meus pés já eram tortos, apesar da ausência do pruído, e a casca lisa do tronco sempre me acolheu meio amante, meio filho. Em estulta adultícia achei que o amor ficava em alguma parte do nada que o vento sacode, árvore frutífera que raio não tem ímpeto de tocar na mesma ojeriza do olhar atravessar a fruta caída pelo pecado de reviver quem requestou ninho em nosso sozinho e agora é só um moído puído de baixo da unha que raspa o cabelo na procura do sentimento que nunca esteve lá.
Amores morrem de cabeça para baixo nos galhos do passado, secos no asco de nunca despencar e sumir. Leia novamente, eu disse passado. O tempo é lobotomia. Paixão é fogo em pau velho, depois nada sobra, exceto nascer de amor, se houver amor é semente de bergamota cuspida para cima.
Para cima.
Meus pés tortos querem ir para cima.
Há uma goiabeira de olhos grandes lá em cima. Nada além eu conheço, mas me conheço no curioso piado de coruja descobrindo o que está encoberto pelo não acontecer.
Se for, morrerei.
Finado por ausência.
Meu inventário é tão raso quanto um vidro quebrado: Sombra da nuvem para você lembrar que vivo, sentindo mais perto de si outra companhia já que a ausência está nestas palavras de janela sem vista, só existe a provocação do instante e você lembra que no peito há alguém do outro lado.
Se a nuvem carregar chuva, sou eu.

Tiago André Vargas

20.01.2014

Pintura de asahinoboru

domingo, 4 de maio de 2014

Librei



Trovejou no céu um tambor carregado de ódio terreno.
A lebre assustada rezou. Uniu as patas untadas de orvalho e, olhando o céu plúmbeo através dos círculos concêntricos de uma teia sem sua artífice, indagou quantos graus eram necessários para uma nuvem desistir da equação.
Aquela lebre tremia com a agudeza sonora que lhe entrava nas grandes orelhas impolutas no vórtice da solidão, não raras vezes, escutando o estalar do tempo na alma dos pinheiros. Girava ritmicamente seu pequeno crânio, cada curto e rápido movimento era acompanhado do pensado Onde está? Onde está? Onde está? E, quando fechava pausadamente os olhos, concluía: o meu lugar…
A lebre librava imprecisa a sua vida. Como a outros tantos seres acontecia, soterrada pelas variáveis líquidas que nada mais são que cegos escafandristas, pegadas leves na areia marina que a emoção move, remove, comove e desfaz, atônita e aflita, a lebre singrou e nada pesou na analítica balança temporal. Trovejou a equação. Cortou o pensamento de maneira incisiva com os precisos incisivos.
Dividiu o pensamento.
Pediu por amor.
Trovejou no céu um tambor carregado de ternura terrena.
Um pássaro bardo do signo de libra disse à lebre para librar o sentimento até livrar o medo e lavrar a promessa. Ela não entendeu. Ele beijou-a com seu bico, sutil como a lembrança de algo que não aconteceu. Ela pediu uma música. O pássaro fez melhor. Construiu um ninho em uma das grandes orelhas e a lebre não mais librava, afirmava com a convicção dos pinheiros que as nuvens eram solidárias com as equações de primeiro grau, quando puras como as emoções de primeiro grau.
Dividiu o medo entre trilados e trovões.
Cada orelha um destino.
Desfez a teia, seguiu caminho.

Tiago André Vargas

04.05.2014


Imagem de Seth Fitts.



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