domingo, 23 de setembro de 2012

Mil quatrocentas e trinta e três músicas de amor



Depois de andar com moscovitas, babar na barba de certo carioca de mente tristonha e aguçada, quase adoçada pela poesia da vida, seria conveniente esquentar a minha chaleira que não assovia e beber mais um chá de frutas silvestres que tanto se assemelham a veneno de rato.
Minha bebida, talvez. Não, eu já as tenho em demasia.
Desculpe a inexatidão, mas eu não consigo beijar sem antes provocar um sorriso, ou no mínimo, uma dúvida.
Sim, música.
Um pensamento me ocorreu agora, enquanto esfrego minha língua no lábio queimado, recorde-se, minha chaleira não assovia e eu não escuto, tampouco atento, sempre viro os resquícios não evaporados na xícara que queimam para valer.
Como um beijo sem sorriso.
Ou uma música desperdiçada.
Voltando ao pensamento: A arte se gasta? Desgasta? Evapora?
Sim.
Exatamente sim. Uniforme ao nosso estado de espírito. Da mesma forma que você agora desgosta o sorvete de morango, desiste de tocar piano, desaprende a chorar sozinho sobre quatorze polegadas, concebe seu amor como algo findado em estado vegetativo.
Então você a beija de maneira botânica.
Com delicadeza, suavidade e antipatia. Uma bela música toca, é verdade, mas é um belo som desperdiçado. Um amor silencioso que precisa de uma trilha e assim, tornar-se-á um amor suportável, corrijo-me, suportável.
Eu conheci alguém que me fez querer beijá-la entre gritos suaves e graves sorrisos.
Com música e sem música, mas, com música.
De olhos fechados, talvez girando alguns quartos, com o coração ribombado por ela, pelo sonido, pelos afagos e principalmente, pelo sentimento que transcendia as paredes do meu corpo e os olhos das sentinelas do tempo.
Eu percebi que precisava beijar aquela mulher ao som de todas as músicas e de maneira metódica, gênero a gênero, banda a banda, disco a disco, música a música. Genuinamente incentivava os compositores a beberem café, chás de rato, mas não cocaína, precisava de produção! Queria mais músicas, necessitava de mais músicas para beijar aquela mulher, entre um sonho musical e labioso as três da madrugada me amedrontava a possibilidade de findarem-se todas as músicas e necessitar-iria beijar aquela mulher em silêncio.
Talvez sem música eu perdesse o encanto, ela o perdesse, eu me tornaria uma planta, quem sabe ela.
Desperdiçado o nosso amor. Corrijo-me, desperdiçado o nosso.
Seria a completa ruína.
Haveria mil quatrocentas e trinta e três músicas completamente destruídas pelo seu fantasma cavalgando pelo tempo através do passado, enfiand0-se dentro dos rádios e alto-falantes, putrefazendo qualquer melodia de amor que por eles poderia ser influída.
Cala a boca, você me disse.
Colocando o indicador sobre o meu lábio queimado pelo chá beijou-me em silêncio.
Eu fiquei em paz.
Havia ainda tantas músicas, havia ainda você.

Autoria de Tiago André Vargas


Fotografia de Lea.

sábado, 15 de setembro de 2012

Seja o que for seja rápido



Parece que tudo isto está pronto agora, enquanto confiro o comprimento das minhas unhas, tortas, como lascas de madeiras subadjacentes nas arestas de uma porta sempre aberta.
Porém nunca é rápido o bastante.
Nem os gnus, nem as árvores empíricas que caem sozinhas, tampouco o movimento gravitacional de um abraço cortado pelos dias da semana.
É tudo tão lento.
Quando sorrimos sozinhos ou choramos em comunhão, sempre moroso, como uma voz emanada de algum ponto longínquo através de um cano sujo, tão distante e distorcida, não podemos bater os pés de uma maneira feliz.
Ou fugir.
Não saberíamos como e mesmo que, não queremos, justamente pelo inconcebível que jamais será almejado pois querer é primariamente saber.

Tudo tão lento, vertiginoso, seguimos mas a vida não mais parece nos acompanhar, deixá-la então para trás? Se isto for uma súplica suicida não se preocupe, eu carrego um 0800 sempre comigo, junto com meu telefone sem crédito, no meu bolso sem forro, ao redor da minha perna tão viva que carrega todo este tronco pouco musgoso numa espécie de trono, mas sempre, eu digo incansavelmente, tão lento.
Lento demais.
Lento o bastante.
O suficiente para que ISTO alcance tudo.
ISTO que eu e você agora sentimos.
Mas, às vezes dobramos alguma esquina e tudo parece ficar bem, uma fuga perfeita. Não tarda a linha retilínea, o medo, agonia, a busca por outra esquina. Se você ligar, ninguém vai atender. Não há créditos.
Continue em movimento.
Seja o que for, seja rápido.

Autoria de Tiago André Vargas

Fotografia de Nikos Koutoulas.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Mariposas no Útero - Capa e informações descartáveis


E agora, o livro não somente tem uma capa, mas tornou-se um livro. Seja lá o que isso for, é algo palpável, não em minhas mãos, mas nos meus binários sonhos. Sem contar que existe um inseto pegajoso em sua fronte que por mim não fora escolhido, mas dado, como um filho, desde sempre amado.
O intemporal “em breve” está agora mais breve.
Tão próximo que me é possível algum ar de liberdade, uma desvirtuada sensação de cumplicidade pela dor e o prazer que tive em escrever este livro, em breve, tão breve, compartilhada nestes mesmos olhos que agora correm letra por letra produzindo infinitos significados para esta mensagem destemperada, cheia de publicitárias promessas eleitorais de alguém que não busca se eleger.
Talvez renunciar.
Na verdade, voar.
No escuro.
Sem ser visto, apenas sentido, leve e pungente como um bater de asas na sincera ausência das cores.
Mas, eu falhei.
Acabei sendo intenso e repulsivo como um beijo de cólera.

Mais informações. Em. Breve.

Tiago André Vargas

Capa do livro Mariposas no Útero - Tiago André Vargas - Editora Multifoco

sábado, 1 de setembro de 2012

Aponta-dor quebrado




De alguma forma desaponto
Não é meu êxito ou fracasso
É a expectativa fulgurante germinando em luz contrária
Minha sombra
Meu escombro
Meu escoro
Eu escorro
Para as quinas, os rodapés, as caneletas e o teu umbigo
Fujo dos olhos
Dos teus e dos meus
Dos seus e dos nossos
De alguma forma eu me desaponto
Enquanto aponto todos a minha volta
Afiados
Prontos para a tão aclamada guerra
Cuja qual não mais acredito
Meu gatilho
Este dispara flores
Mas eu torço minha cara
Fingindo uma constante última bala
Desapontada mas apontada
Entre os olhos do inimigo
Igualmente desapontado
Sem sombra
Sem escoro
Não mais escorro
Os olhos se fecham
Ninguém puxará o gatilho
Todos estão desapontados e tão bem apontados
Não podem abrir as mãos
Estas carregam suas cascas, a côdea de madeira ou o próprio brio da vida
Não é possível um cumprimento
Um carinho
Dois carinhos
Nem mesmo um puxar de gatilho
Punhos fechados
Compulsório apontar
Para os erros de outrem
Para o próprio vigoroso lápis
Afiado como uma esgrima
Perfeito para a caligrafia
Porém
Não há nada a ser escrito
E se escrevo
Não tenho êxito ou fracasso
Agradeçam ou não
Meu fatídico apontador quebrado
Autoria de Tiago André Vargas

Imagem de Xeno.

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