quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Penas e penas




Não somos dóceis o bastante para as mamas.
Não temos clareza sobre este grupo; mamíferos.
Não jogamos no mesmo time que um humano adiposo, quem dirá de um leão-marinho.
Mas nós também não jogamos no grupo dos humanos delgados. Homicídios, latrocínios, fratricídios, infanticídios.
E no meio do ano costuma sair o dissídio.
E outros mamíferos esperam com isso diminuir os homicídios, latrocínios, fratricídios, infanticídios e até os matricídios que eu não incluí na primeira relação em respeito a minha mãe.
Por pena na verdade.
Pena é uma alternativa.
Não este asqueroso sentimento legitimamente humano criado para justificar a culpa, falo daquelas que escreveram outrora, das mesmas que não deixam se molhar uma galinha. Espero que você já tenha molhado uma galinha. Talvez ajude no processo de sermos humanos.
Na época que fui humano costumava correr atrás delas. Dava palmadas e gritava tentando fazê-las voar. Eu queria ver qualquer coisa voar, até mesmo uma galinha.
E talvez, se eu tivesse estas penas, as mesmas penas carijós, hoje eu continuaria sendo humano. Não me exibiria pelos ares em rodopios, nem cantarolaria qualquer canção para que homem algum me imitasse depois em assovios, mas talvez, se subisse em algo alto, pudesse voar por alguns segundos, talvez minutos.
Não sei o quão alto poderia voar, mas lá de cima, sei que perceberia toda insignificância dos mamíferos e suas mamadeiras, dos seus joelhos vermelhos pela culpa, das suas vestes neutras, dos seus olhares pragmáticos, dos seus canudos entupidos pela semente de uma laranja.
Eu saberia a importância de uma semente de laranja, pois bem lá de cima, é como tudo se parece.
Mas nós não temos penas.
O que é uma pena.

Autoria de Tiago André Vargas

Fotografia de Tracie.

sábado, 4 de agosto de 2012

Salmão em pólvora



Você não pode sentir
Nada
Que você não queira

Não seja outro isqueiro esperando que alguém liberte todo fogo que há dentro de você. Seja um salmão, fiel ao seu propósito.
Tente.
Não tente.
Seja um chupim e terceirize seus filhos.
Ainda há crédito no mercado financeiro.
Escreva uma carta de amor agora, assine com outro nome e a deixe sobre o banco da praça. Não ouse aguardar a fim de constatar o destinatário.
O destino não importa.
Apenas o remetente e este, você sabe quem é. Ou não?
Eu entendo.
Seja então o próprio banco da praça e permita que as pessoas se vão, em vão.
Ou não.
Mas lembre-se do salmão.
Ou não.

Dias como o de hoje onde não escutei o assombro da vida me trazem otimismo, principalmente quando abro minha janela e vejo um asfalto aberrante molhado, como se banho alguém o tivesse dado.
Mas este é o meu isqueiro.

Pare de procurar sentido ou comoção nas minhas palavras.

Você não pode sentir
Nada
Que você não queira

Autoria de Tiago André Vargas


quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Quando o balde está vazio





O balde está vazio
Esta não é uma frase poética
Nem uma evasiva bélica
É apenas uma constatação
Com todo esmero de
Nada pode ser feito
Não há a lástima do esvaziar
Nem a correria do secar
O balde está vazio
Talvez nunca estivesse cheio
Talvez nunca tivesse proveito
Mas não há passado
Não há lamento
Não há presente
Não há defeito
Meu feito
Em efeito
É olhar para o balde
E dizer sem palavras para mim mesmo
O balde está seco

E geralmente nestas horas, quando o vazio até algo bonito se torna, começa a chover.

Autoria de Tiago André Vargas
01.08.2012

Fotografia de Mauricio Arrue.

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