quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Feche os olhos. Se abra para mim

Uma vez eu conheci um homem que tinha muito dinheiro e quando este não coube mais em seus bolsos acabou por colocá-lo no banco. Quero te dizer algo mulher triste. Tenho tanto amor em meu peito que preciso livrá-lo de mim, não posso mais carregá-lo comigo. Preciso depositá-lo nos teus lábios.
E se eu te disser que é você?
Durante todas as estações e todos os nevoeiros, as tardes vazias deitadas em uma rede mal posta, o amor disperso e mal aventurado que nos pediram polidamente para sonhar.
Eu sinto querer dizer que é você. Todo meu desejo invertendo a profane pirâmide, recuso o alimento do prato e como do teu corpo envolto em braços, dramático, empurro o sono para o lado e te tenho em uma noite incólume, um momento eternamente registrado.
Me deixe volver as palmas das minhas mãos nos teus delicados ombros e balançar teu mundo. Eu não quero fazer isso por mim.
Eu sou poeta, vivo através de um sonho e sinto-te como se estivéssemos a ter neste exato momento. Uma mão quente a correr pelo teu corpo enquanto as palavras afloram os desditosos corredores da tua mente, eu acabei de viver isso... Isolado e breve, todavia, precioso o bastante para validar uma existência.
Eu te concebi com o coração árido meu amor e te deixei com um jardim flórido que não quero mais cuidar. Existe um buraco nos teus olhos. Existe um vazio no meu discurso.
Eu sei que é você.
Feche os olhos. Se abra para mim.


Autoria do embriagado Tiago André Vargas
Foto encontrada aqui.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Diários, aspargos e fantasias sem afagos

No fim, aconteceria. Nasce a noite, cai o dia... De alguma forma, aconteceria.

Dueto em prosa, oratória compartilhada. Eu e você
O vinho massageava meu corpo, tua fala envergava minha mente
Se a fala findava nos teus olhos ficava e sentia-me contente
Errado, pecado e todo resto acompanhado. Sinto. Bem como sei que também sentes

Mas não haveria maneira de pedir-lhe um beijo
São os valores que levo de berço
O mal que te faria carregar este peso
Ou ainda simples ultrajado medo

Cortastes minha desatada rede de pensamentos  
Pediste licença se dirigindo ao banheiro
Algo tão natural quanto dobrar os joelhos
Não fosse o abandono das vestes, a nudez por inteiro

Não que lhe tenha visto desta forma
Apenas notei tuas roupas voarem pela porta
E antes que pudesse no teu corpo imaginar
Teu pequeno diário na estante a mim parecia gritar

Olhei para ele e te vi diante de mim
Você encadernada me esperando
Sem remorso, sem culpa, sem fim
O Desejo cuspindo no rosto do Entretanto

Corri meus dedos pelo diário, brinquei
Como faria com o primeiro botão da tua blusa
Senti a rigidez da tua capa, suei
Assim como seria com a tua carne dura

Com um gesto enérgico folhei, tua letra eu vi
Encantei-me com a precisão das tuas palavras
Desvendava-te nua diante de mim
Mas não afoitei tocá-la

Na distância de um dedo deitado te percorri
Pus meu olho bem perto da tua pele e parti
Via-te os rabiscos, o tracejado sublinhado
Via-te os pelos ouriçados desejando ser tocados

Esfreguei minha palma em ti
Cada curva digitálica te abraçava
O globo ocular transeunte, lendo
Meu coração disparado te concebendo

Livro devolvido sobre a mesa
Terminei de ler-te e já estavas em mim
De uma forma que jamais poderia ser desfeita
Difundido à tua essência abandonei-me por fim

Saíste nua do chuveiro de corpo sedento
Viste o diário aberto sobre a mesa
Entristeceu-se pela falta de minha presença
Repudio-se pelo remorso almejado que não cometera

Havia um bilhete atravessado no gargalo do copo:

“Enquanto te decidias se o pecado cometeria
O mais transgressor amor eu me permitia
Descobri-te de uma forma que não poderia
E aquilo que antes não passava de uma carnal fantasia
Acabou por se tornar minha ruína
Também me colocarei nu dentro de capas
Me entregarei aos teus olhos azuis onde nada escapa
Todo meu amor gravado em uma página que jamais será virada”

Aconteceria. Nasce a noite, cai o dia...

Autoria de Tiago André Vargas
Foto encontrada aqui.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Berço e pão de forma

*Absolutamente inspirado nos deliciosos pães de forma que minha vó fazia. O gosto da minha infância.



A mesma mão que pôs o pão no forno agora balança o meu berço
Um cachorro de manchas alegres parece sorrir para o vento
O céu é o teatro, o azul sai do palco e volta cinzento
Quero faltar à aula que ensina tudo que é gente a ter medo

Me perco
Olhando para a velha mão que ainda ostenta farinha
Balançado nesta vida que nem parece ser minha
Lhe perco

De balanço ritmado o vai e vem da indulgência
De estomago forrado, o pão sobre a mesa
Quebrarás o berço e olharás para fora
Direto para o céu negro que a tudo devora
E agora?

Você cresceu enquanto o cachorro sorria
Chegou tarde para ver o azul do dia
A receita do pão de forma fora esquecida
Pois toda infância é uma infância perdida
Independente das tristezas ou das alegrias
Nada supera infindável expectativa
De olhar para frente e ver apenas páginas vazias

Autoria de Tiago André Vargas
Foto encontrada aqui.

sábado, 8 de outubro de 2011

Dois momentos

Marina desceu a camisola pelo corpo.

Eu poderia ter tudo, eles me disseram. Ouro, diamantes, escravos de ébano, albino, do inferno.
Era só pousar meus olhos lentos como mariposas pela noite e as coisas aconteciam. Vinham para mim. Se não fosse o suficiente eu poderia ainda sorrir, abrir meus lábios o bastante para sua próstata se transformar em magma. E você vinha até mim.
Qual era o problema do nosso jogo? Não estávamos ambos ganhando? Eu trapaceei. Eu gostei de você, este foi meu erro.
Naquela noite eu decidi abrir meu coração, coloquei a camisola de minha mãe para te entregar meu amor e evidentemente, antes de fazermos eu diria aquelas três palavras que durante a história algum horrendo romancista as colocou em um pedestal tão alto quanto o céu e agora não me torno digna de dizê-las. Se bem que, se eu posso dizer, é porque eu posso sentir. E isso me deixa ainda mais assustada...

Eu te amo!

Quebrei teu rosto ao dizê-las.
Você deveria demorar um momento e depois dizer que me amava. O que dois momentos significavam? Que você ponderou se poderia conviver com essa mentira e gozar no meu peito.
Chega de paixões destrutivas.
Adeus porco.

Marina subiu a camisola pelo corpo.

Autoria de Tiago André Vargas
Foto encontrada aqui.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Fluxo de amor

Nessa vida, nesse frigir de ossos pelo tempo

No fundo do meu coração roxo lhe desejo
Que presencie ao menos um breve momento
O que é estar submerso na correnteza de um amor perfeito

O que são as bodas de ouro do casal desconhecido?
O que são os anos perdidos contando papéis coloridos?

O que é a vida fora do corpo?
O que é a vida dentro do olho?
O débil taxa o sábio de louco
Ao parar de fazer contas e olhar o todo

Aquele que sempre pulsa sem saber o porquê
Será capaz de encontrar ou fugir do quê?
De nada e nem precisa
Somos vítimas

Vítimas mesmo quando outro coração para de bater em nossas mãos
Vítimas mesmo quando nenhuma andorinha decide cruzar o verão
Vítimas do velho trem que partiu enquanto aguardávamos na estação
Vítimas dos amores, das dores, da falha regeneração. Todos são.

E eu que sempre pensei poeta nessa andança
Eu que sempre pensei vagabundo durante a mudança
Prepotente dentro da minha sábia ignorância
Eu perdido de amores pelo sorriso de uma humana

Sempre vi a mulher como refúgio para colocar minha fé
O único reduto digno de idealização, talvez absurda
E o que vejo agora são também defeitos, porém nada muda
Com dois toques e três beijos ela também me desnuda

E despido quem sou? O mesmo homem cheio de defeitos
Que goza, que muda, que tem medo
Que acha a vida larga demais para qualquer feito
E se sente estreito demais no meio do teu beijo

Um momento. Uma vida. Você homem de ponteiros pode medir algo?
Pois bem então, meça o quanto vale ao menos uma vez amar e ser amado
Não falo em querer ou merecer, falo em sentir de fato
Eu falo de morrer, um pelo outro em ambos os casos
Eu falo do gosto que nunca enjoa sem precisar ser amargo

Nada falo. Me calo perante você mulher
Num olhar mútuo de quem nada quer
Além da corriqueira companhia livre e vassala
Durante esta vida, que sem você, valeria nada


Autoria de Tiago André Vargas
Foto encontrada aqui.

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