domingo, 28 de julho de 2013

Boçal




Bocal
Pega-se um boçal pelo bocal
E pela vontade do bocejo
Vontades rasas como esterco
Boceta e sal
Se boçal, boceta sem sal
Pois boçal que é boçal não aprecia o tempero da vida
Coça a virilha
Curva desejos
O carro perfilha
Mata a família
Rei da latrina
Tirano alienista
Quem bota o salário na mesa cospe no olho
É colírio de nojo
Para cegar a todos
Que acreditam em um mundo sem cê-cedilha
Mundo bocal
Com dentes pra matar a fome
E beijos para salvar a vida

Tiago André Vargas
28.07.2013


Imagem de Anna Love.

domingo, 14 de julho de 2013

Bem no meio do seu medo





Aos quatorze recebeu um caderno de recordação. Perguntas enumeradas e respostas compartilhadas. Sempre é imprudência escrever algo seu a quem não é teu.
Não temos ninguém, nem o Sipróprio.
Ela parou naquela pergunta. Pergunta quatorze. Leu as respostas anteriores.
14. Em que lugar você deseja encontrar o seu amor?
A. pulou aquela pergunta.
A. não gostava de pular perguntas.

N. sentado aos fundos olhando para a porta. O café seco no fundo da xícara é a curva de um rio lamacento que carrega o tempo e com ele um conselho absconso. N. gostava de olhar para portas. Portas são pessoas. Pessoas, dentre tantas coisas, esperança. N. gostava de olhar para a esperança.
A porta se abriu.
Um velho casaco roxo junto com o guarda-chuva reluzente e as botas pretas e os jeans surrados e o cabelo molhado carregavam uma mulher. O rosto dela oferecia tamanha ataraxia que N. tocou a xícara pois necessitava segurar-se em algo. Apesar da pele morena, estava pálida. Uma mulher foi abraçá-la. No abraço, ela olhou para N. sobre os ombros de quem a consolava. Grandes olhos, N. pensou. Além. Olhos famulentos. N. sorriu e ao perceber, sorria para ela. No findar do abraço ela caminhou em sua direção desfazendo-se do guarda-chuva e do casaco.
- Não me desaponte – Ela disse.
- Então não fale comigo – N. disse.
Ela sorriu olhando para baixo. N. poderia facilmente amar uma mulher que sorrisse olhando para baixo.
- Qual é o seu nome? – N. perguntou.
- A.
- E se pudesse escolher seu nome?
- Eu posso escolher meu nome.
- E então?
- V. e você?
- Meu nome ou se eu pudesse escolher?
- Seu nome.
- N.
- E se pudesse escolher?
- N.
- Você parece feliz.
- Parece cocaína, mas é só tristeza. Minha felicidade é uma paráfrase da felicidade de outra pessoa.
A. fez um gesto para a garçonete pedindo dois cafés.
- Tristeza?
- Tristeza. Parecida com a sua.
- Minha tristeza vem de alguma esperança.
- Você é mais que uma porta, A.
- Por que não me chama de V.?
- Prefiro o que você é, não o que gostaria de ser.
- Sou uma mulher de vinte e oito anos que há quatorze anos não sabia responder a pergunta quatorze de um questionário infantil. Hoje – agradeceu a garçonete que lhe trazia o café – por estar segurando um café nas mãos e ter você nos olhos, diria que sempre desejei conhecer o amor da minha vida em uma cafeteria.
- Clichê. Intelectualmente mórbido clichê. E lindo.
A. sorriu.
- Preciso admitir que sempre desejei uma mulher que entrasse na minha vida com seu guarda-chuva molhado sem pedir licença, o embalo das palavras escorregadias e brutalmente sinceras como as voltas dos teus cabelos.
- Acho que amo você.
- Desde quando?
- Desde agora.
- Acabei de ver um filme, saltou no meu colo a seguinte frase: “Nada distancia as pessoas mais do que amor e sexo. Porquê isso acontece, eu nunca compreendi”.
- Eu acho que amo você – insistiu A.
- A., você merece algo melhor que o amor.
- Um beijo?
- Beijo é sexo sem x.
- O que me dará então?
- Nada. O que pode ser tudo.
- Faça um filho comigo e depois me deixe. Eu quero algo seu para sempre.
- Tenho medo A..
- Você não parece ter medo.
- Meu medo de ter medo não me deixa ter medo.
- Você precisa ter medo, mais do que amor.
- Fala isso novamente.
- Não.
- Eu preciso.
- Você precisa ter medo, mais do que amor.
N. certificou-se que as xícaras estavam vazias e virou a mesa jogando seu corpo sobre A.. Caíram sobre muitas coisas, inclusive o amor.
N. trapaceava beijando A. com os olhos abertos. Necessário notar, ver. Homens gostam de ver. O cabelo ondulado sobre a porcelana quebrada, a toalha amarela no chão, podia sentir o olhar de reprovação e medo dos demais sobre suas costas enquanto A. alisava-as com seus dedos sem esmalte.

A. terminou de responder o caderno de recordação e voltou para a questão quatorze. A. não gostava de pular perguntas.
14. Em que lugar você deseja encontrar o seu amor?
A. abaixou sua cabeça e sorriu.
No medo.

Tiago André Vargas


Imagem de Kassy.

terça-feira, 2 de julho de 2013

Menino carente




Eu desço descalço do palco pisando em um domingo sem mel
Me pego pulando de vagões pelas quartas e quintas meninas
Pelas terceiras e segundas feiras com frutas maduras de cordel
Voando sobre arrogantes ideologias vesânicas sem rimas

Você é menino carente - toda mulher um dia mãe dizia
Você tem gosto de couro de serpente – fala a fera impávida
Você quer ouro de tolo em barcos de pássaros sem vida
Você quer mamilo, carinho, diminutivo e luta armada

Tudo pra ontem
Tudo pra hoje
Nunca pra sempre
Nunca pra nuca que não me revela os olhos que desejo ver
Sem ser
É assim que sou

Carência pela essência
Mulher pela cintura
Desejos sem clemência
Amores e pinturas

Eu sou menino carente
Caminhando sozinho
Futuros escuros em olhos reluzentes
Futuros claros em olhos de colírio
Eu fecho os olhos
Você não sabe nada a meu respeito
E isso é pecado
Minha carência é um desrespeito
Com gosto de beijo chorado
Salgado
Gatos e quartzo
O mundo pelo vidro do berçário
Amores distantes olham a sinaleira
Amores tão próximos carregam suas ementas
E eu sou só carência
De toda essência
Meu respiro é desejo de arrepio indesejado
Carente de surpresa
Carente de não ser carente
Infame arrogante excitado te comendo na sobremesa
De colher e guardanapo
Ou a boca chupando o assoalho
Só um menino carente
Da implosão de todo amor que houver nessa vida
Só um menino que não mente
Ao querer ser teu no ensejo de você ser minha na mais completa sincera mentira

Um menino carente
Não sabe o que quer
Quer o que não sabe
Só sabe o que sente
Sente o que não quer
Quer o que não sente
Um menino carente
Escondendo os dentes
Louco para sorrir

Tiago André Vargas
30/06/2013



Imagem de Andy.

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