quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O velho e o chapéu




Hoje é um dia com propósito, como poucos que seguem
Faz tempo, mas me lembro, de quando tinha serventia
Eu nego e cuspo no chão. Útil é algo que eles elegem
Inválido de fato, não quero fazer parte desta alegoria

Portanto nunca fui útil. Talvez quem me aprece discorde
Tantos me queriam, tantos me estimavam e até me invejavam
Mas nunca fui útil. O que eu tive provavelmente foi sorte
Fiel na euforia, na tristeza, através deles me amavam

Solúvel. Com aqueles que andei me tornei e nada sobrou
O tempo passou implacável, quem poderia pará-lo?
Eu o senti. O mundo ao meu redor me esnobou
Por pena me deixaram em algum canto jogado

Envelhecer não é fácil, meu desconhecido
Você percebe todo seu valor ser apagado
Torna-se uma coisa, empecilho, banido
E por fim, revoltante, fui abandonado

Na rua fiquei por um tempo sozinho
Fui encontrado por um cão magro e sujo
Gentilmente este me carregou no caminho
Que levava às mãos de um homem do mundo

Este sorriu para mim. Quanto tempo não via um sorriso
Pegou-me com delicadeza e deu-me um abrigo
Ditoso em ter um lar a simplicidade valorizo
Feliz hoje eu vivo sobre a cabeça deste amigo

Autoria de Tiago André Vargas



terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Quando as bocas conversam





Pedro havia cortado laranjas, se beijado no espelho, mas mesmo assim; nunca se sentia pronto para dar um passo adiante quando segurava as mãos de Taís. Taís tinha a boca carnuda envolta para o mundo, flor que abrochou e voltou suas pétalas para si, presente de berço, menina sapeca de vestido solto e dentes pequenos escondidos nos lábios que sobressaiam.

Pedro poderia ter treinado, seria em vão, quando a doce menina tomou aquilo que tanto queria ele nunca pensou que sentiria isso.
Nunca pensou que por trás de dentes haveria prazer, que entre mucosas haveria amor e que aquilo que tanto lhe afligira em fazer certo, não tinha jeito certo. E que o gostar por si só fazia ser do jeito certo, o gostar fazia os lábios se darem às mãos e dançarem em ritmo, harmonia perfeita.

Ingrid sempre se interessou por culinária, sempre ficou satisfeita em provar sabores distintos e igualmente em proporcionar esta experiência nos outros. O olhar meticuloso a cada reação de seu convidado após a primeira garfada. O olhar meticuloso ao rosto de seu amado enquanto a beijava de olhos fechados. Se ele deixasse o olho aberto, para ela perdia o sabor, já ela, trapaceava. Era por entre os lábios que Ingrid alimentava seu corpo e também por entro os lábios que alimentava seu coração.
Uma mulher que tem o coração alimentado. Como é belo ver isso. Sem inveja do homem que a possui do seu lado, inclusive felicitações a ele, pois quando ele a acorda com um afago nos cabelos e a beija com amor depois do café, aquela mulher sai para trabalhar e por onde passa, deixa algo de si. Algo de bom. Você olha para uma mulher e dois segundos bastam para você saber se ela é amada, e isso, deveria inspirar.

Amanda e Tadeu se beijando na praia, beijos falsos enquanto a amiga de longe tira fotos com a máquina de Amanda. Na hora poderia ser um beijo falso, mas o sentimento não era. Anos depois, não mais juntos, Tadeu olhou para aquela foto e quase pode sentir seu pé na areia molhada pela onda e ela nos seus braços, seu perfume de sempre misturado com o cheiro do mar. Fechava os olhos e sentia sua boca ao encontro dela, como um barco ancorado balançando devagar sobre as ondas.

Augusto e Isadora. Isadora é uma mulher com todas as letras, anos de casamento, anos de convívio paulatinamente apagando a paixão, mas ela os driblava com seus beijos inesperados. Augusto poderia lhe dar uma lista de duas páginas com todas as qualidades de Isadora que os fizeram estar juntos depois de tantos anos, mas o que lhe fazia amar ela ainda, era a forma como ela o beijava inesperadamente depois de ficarem 30 minutos sentados um ao lado do outro em pleno silêncio no banco de uma praça. Augusto não sabia disso. Mas Augusto sentia isso. Todo beijo inesperado era um cutucão no coração “Ainda te amo”.

Declaração, motivos, razão, prós e contras, comparações, justificativas. Às vezes, é melhor ausentarmos, deixarmos nossas bocas a sós conversarem a sua maneira e ver o que elas irão decidir. 
 

Autoria de Tiago André Vargas
Postado em 08.02.2011
Escrito não se sabe quando





Bata a porta




Cuspa na minha cara, bata essa porta e saia gritando demônios pelo corredor. Pule soltando grunhidos agudos, histeria é algo que em dose certa desperta o interesse de um bom filógino. Mas não olhe para o nada com essa cara. Essa cara mesmo. O ódio e o amor caminham juntos e enquanto você louca esbravejar, eu estarei a um passo como um felino a espera do momento de pular sobre você, te calar com um beijo e arrancar tuas roupas. Agora, o olhar no infinito eu não posso suportar, ele carrega o peso da indiferença e esta sempre foi a maior de todas as ofensas... Com ela não tem briga que termina em amor com fervor e nem DR que termina em risos com guerra de almofadas... O olhar indiferente é um convite a se retirar, daqueles que você não tem opção, apenas baixa a cabeça e vai embora devagar, torcendo para escutar um “espera”, que não irá acontecer.
Portanto, ao sair da minha vida, bata a porta. Primeiro em sinal de respeito, pois assim saberei que de fato não me és indiferente e portanto, algo por mim há de sentir. Caso eu seja esperto ou te ame o suficiente, teu braço vou agarrar assim que a porta se fechar. Caso não aconteça, fizeste bem em ir embora. Bata a porta.

Autoria de Tiago André Vargas




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