domingo, 18 de dezembro de 2016

Iuvenis





Como um homem que corta a
Corcova de um boi e se
Alimenta desta
Separação
Há algum tempo eu
Questiono a
Matéria
Qual tempo
Resta
De associação
À vida eterna
:
Juventude

A imanência flerta com
Gatos egípcios
Lambendo a podridão do meu
Corpo a
Girar
Espeto de carbono
No cemitério morno
Imarcescível
;
Infância

Em sonhos
Eu e amigos
Somos cabras
Pulando
Fogueiras
Bebendo
Água suja
Misturando-a e misturando-nos
Com leite de
Noites distantes
Escondidos atrás de uma lua em frente às névoas de sorrisos
Reconheço um
Amor recolhido
Em um cocho pequeno
Pastamos e
Apascentamos
Um conhecido sentimento
Ao abismo de uma leve
.
Promessa

A faca do tempo
Aproxima o corte
Da nuca
O fio da navalha
O olho sem pálpebra
Procura
O impressionismo
Que me beija com devoção
Desde o
Parto
Sem
Partir
Uma parte minha
Chora pelos
Lábios
Que eu pensava fazer
Parte
De algum dos mil
Eu

Amigos
Balimos
E a lâmina da morte
Ainda mais
Cega
Voa com presciência
Na direção oposta

Agora
Nenhum barulho
Será permitido

Tiago André Vargas

18.12.2016






quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Estouro




Teus olhos de osteoporose
Circundando
Certo óleo quente
A estourar pipocas
Próximas de pombas
E outras
Aladas tristezas
Imundícies escondidas em
Lilases lembranças
Sua barriga virou
Um relógio
Crescendo junto com
O tempo
E a cinta
Apertada dois furos além da justiça
Era a mais perfeita demonstração do teu
Medo da morte
Eu queria acreditar em algo como
O espiritismo
E afirmar com certa
Convicção
Em 2153
Que transei com você
Ao som de Bartók
Um pouco tarde demais
Um pouco cedo de menos
Dentro de um
Quem nem eu
E você
Acreditávamos
No amor
E comíamos
Pipocas
Como pombas sem asas
Olhando
As luzes de outros carros
Transpassando nossa nudez
Simbiótica
Um estouro abafado
O sol no outro dia
Iluminando uma nuvem de formato oval
Para alguma criança achar
Graça


Tiago André Vargas

30.11.2016



sábado, 12 de novembro de 2016

Nascidos




Mordi suas tetas
Depois aspirei
Cão que arfa é mais cão
Assoprei
A saliva álgida no halo nacarado
Era
Um copo de vidro esquecido na sacada

O médico imaginário do prazer sorria
Com escárnio
Olhava-me como um pai morto
Minha ação o torto legado

Esta ordem categórica
Foi uma vantagem
Que eu carreguei na boca
Para lutar contra o amor das mulheres de olhos profundos
O médico disse
Menos recônditos
Menos perigosos
São os olhos das tetas
Sou alquebrado
Por natureza
Incapaz de encarar os olhos da leveza
Mordia, aspirava e assoprava os olhos das tetas
Na inocência
Que passaria despercebido pela alma

Ventou forte entre meus lábios
Evitei as conhecidas janelas
Mas rasguei as cortinas do meio
Surpreso
Notei
Mordia, aspirava e assoprava seu peito
Aberto como um livro
Exposto como um copo esquecido na chuva
Outro caminho em mesmo destino
A água que dentro de si ficava
Era a alma

Sua alma sentiu frio
Está junto com a minha
Na sacada
Enroladas em um chambre vermelho
São filhotes
A minha parece não ter boca
A sua parece não ter olhos
Ninguém sabe o que serão quando crescerem

07.09.2015
Tiago André Vargas



quinta-feira, 13 de outubro de 2016

The times they are a-changing



Penso que tudo já foi dito
Mas não por mim
E no dia que eu te liguei às 03:33
Eu estava feliz
Pois um fanático na praça falou que vivíamos o multiverso
E eu liguei meu computador às 02:22
E joguei essa palavra no Google
Percebi que poderíamos estar juntos
Em algum verso
<<além desse>>
Passei 01:11 imaginando-o
Então te liguei
Você reconheceu meu oie
Sou um cara estranho
Nunca soube dizer oi
Você disse
Vai se fuder
E desligou o telefone
O relógio no pulso pulsou
O ponteiro dos segundos parou
Meu gato me olhava nos olhos
Pedia por comida
No rádio Dylan
Dobrei minhas antenas
Com certo remorso
Abri o pacote de Whiskas
As the present now
Will later be past
Ergui a faca na altura dos meus olhos
Vi meu rosto
Disse
Oi
Meu gato miou assustado
Não mais me reconhecia
Era um novo homem
Vivia em outro verso
Te liguei às 04:44
Você disse
Caralha meu

Tiago André Vargas

13.10.2016


Fotografia de Oana Andreea Cristurean

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Aeronaves



Concordamos com o moicano
Da Cássia

Pensamos a ampulheta da nossa vida
Da maneira como um gato espreita um pássaro
Ou o homem toca um avião

Não sabemos se a areia passou da metade
“A metade importa” – Mia a Mima

Viramos alguns cartazes
Abrimos cinco ou seis malas
Acreditamos que pessoas morreram em 74
Algumas incólumes
Protegidas como pétalas
Do amor capaz de transpassá-las

Os jornais apodrecem
O silêncio
Todos os dias

Solitária
Você embrulhou um pedaço de bolo em um guardanapo branco
Sentou sobre o capô de algum desejo inexplorado
E viu um par de asas metálicas esconderem o sol
Bem como teu sorriso arqueado faz com a tristeza

Solúvel atmosfera
Toca o próprio seio
Venta toda deliquescência
Desembarca um carinho ensimesmado

Suspira

O pouso em si exigirá pistas maiores
Que esses parvos homens repavimentados
Jamais poderão suportar

~

Eu olho para uma estrela
Nossas digitais esmagam um cílio
Faz um desejo
Eu te espero
Vem

19.09.2016
Tiago André Vargas


Imagem de Hengki Koentjoro

terça-feira, 16 de agosto de 2016

Meias noites que não se tocam jamais



Neurastênico eu seu único filho vingado no junco
Transcrevendo com langor a história dos maias
Movendo as páginas da enciclopédia do absurdo
Sua irmã sorrindo no banco de trás uma dor abstrata

Eu tiro uma cópia para você talvez ainda meu anjo
Meus tentáculos olhando para o chão a triste limpeza não reconhecem
O grampo caindo do cabelo de Hebe é sujo e levita no antro
As encostas rochosas do teu umbigo pesadelos amarelos estabelecem

Sempre
As forças angulosas dos teus dentes apontavam o fim do arrebol
Minha inocência invertia para dentro um farol
Impedindo o naufrágio do prazer na confusão induzida e ausente

Põem para fora a cheia noite eu quero pô-la na boca para despencá-la em curvas dores animais
Ainda é dia eu digo depois da meia noite a não noite ainda é dia eu digo e as estrelas não se tocam jamais

Tiago André Vargas

13/08/2016

Les Seins aux fleurs rouges - Paul Gauguin

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Silente



Quando o dia se mostra cinza
E os besouros negros copulam sem fazer barulho
É que eu me lembro melhor de você
Como agora

A aurora do passado é uma tatuagem no baixo-ventre
Na escuridão dos pelos púbicos, um estetoscópio nostálgico adentra
Inspira (já fui a segunda criança no balanço mais alto)
Expira (o rosto da madrasta em silêncio, o sotaque da novela de época conversando com demônios que respondiam no corredor)

As agulhas nunca encontraram minhas veias
Tampouco você
O besouro goza na armadura da memória
Voa mais leve, mais rápido, explode em um vidro qualquer

Eu escuto o barulho e olho pela janela
O dia está cinza. É você?

Tiago André Vargas

14.07.2016

Acervo pessoal.


sábado, 2 de julho de 2016

Os frangos chegam ao posto de gasolina e pedem para completar com aditivada



Vou dizer que é assim mesmo, enquanto palito os dentes e arroto uma andorinha. Na gastronomia, há de se saber, só comemos quem não finge ser livre. Se frango soubesse voar, não comeríamos frango. Se porco soubesse voar, não… ah, você entendeu, não preciso dar três exemplos, isso não é uma piada. VÁ PARA O INFERNO, HUMORISTA. Dá trabalho o cultivo dos livres, essa é a verdade. Sempre fica uma carninha no beco dos molares, é gostoso enfiar o palito lá no fundo, sangrar a gengiva, uma chupadinha não seminal, semi-essencial, há quem diga que se pode beber 2 litros de sangue antes de enjoar. O lado sombrio é úmido e mofa com a força dos segundos a nossa quintessência. Vou dizer que é assim mesmo, queremos tanto ser limpos que sangramos despercebidamente, na falta de um sentimento mais sincero, é bom sentir nossa segundessência escorrer. JAMÓN. POLLO. Enfia mostarda nessa merda. Não, espera, é maionese. São dois amantes que apertam saches de maionese sobre peitos de frango. É isso que é, sabe. Dois frangos amantes foram mortos e seus peitos assados para dois homens enamorados os comerem enquanto falam sobre a possibilidade do Nacional avançar na Libertadores da América. Sabe, na Europa eles têm a Liga dos Campeões. Nós temos a Libertadores. Eles já são vencedores, nós ainda procuramos alguma liberdade. As palavras dizem muito, principalmente quando querem dizer outra coisa. Se dois homens podem falar sobre futebol na maturidade da tarde devem possuir alguma liberdade, por isso comem os frangos, que não possuem nem a liga dos que são campeões nem a liga dos que querem ser livres, nem colocam maionese sobre seus milhos, nem voam, nem amam. Fomos educados para pensar a individualidade, nunca a estrutura, por isso, se o frango é morto sem nunca ter “vivido a vida”, sem nunca ter “encontrado algo para amar e morrer para”, logo queremos chamá-lo de filhos das putas, no plural mesmo, e arranque de uma vez seus coraçõezinhos e meta-os no espeto. Os homens partem, deixam seus lanches pela metade sobre a mesa. Esbanjar é o jeito borbulhante de ser livre. OS PÁSSAROS VÊEM E COMEM OS PEITOS DOS FRANGOS. Se sabiam que eram frangos? Claro que sabiam. Comiam com gosto, com aquele sabor imperial que escorre bico adentro, degustando a maciez da carne nascida para ser cortada. Está tudo escrito nas estrelas, se tivesse feito astronomia ao invés de Wizard você saberia. “Sabe, é muito bom comer frango”. Disse o pássaro number one. “Sim, frangotes preguiçosos, burros, que não sabem voar”. Disse o pássaro number two. “Tic, tic, tic”. Bicou o pássaro number one. “Tá afim de ver a semifinal da taça pássaros voadores da Oceania?”. Perguntou o pássaro number two. “Já era”. Disse o pássaro number one.
The birds were flying high, very high, when a bullet killed both.
“Nossa King Number Five! Você matou os dois passarinhos com um tiro só!”. Susan exclama. Seu silicone está em temperatura ambiente. Susan poderia ser a má musa de uma boa música (artistas são tão degradantes e previsíveis, arranquem-lhes os violões e absolutamente nada sobra). Deus pergunta: “Por que você matou os bichinhos?”. King Number Five responde: “Melhor que comer o fraco é matar o livre”. Todos que assistem o Killing Show da vida batem palmas pela resposta de King Number Five. Deus desliga a televisão e enfia os pés nas pantufas de um jeito cabreiro. Quando pensou em fazer este filme, nunca imaginou que trabalharia com atores tão ruins.
“As verdades são ilusões que esquecemos”. Eu disse para Deus.


Apêndice:
“Você é bom, meu filho. Consegue ser vegetariano, adotar um gato e ficar em paz com sua companheira?”. “Eu gosto muito de frango”. “Mas você é perfeito para o papel que eu estou pensando”. “Eu não posso comer um frango vez por outra? Não precisa ser todo o dia…”. “Não”. Deus é imperioso, percebe-se nas entrelinhas. Nas estrelinhas também. Mas aí entra novamente a astrologia e… “Eu já não como mais mamíferos”. “Não me enrola, é vegetariano. Ovo e leite eu até libero”. “Não consigo”. “Porra. Vou ligar para o Emilio Echevarría então”. “Ele é vegetariano?”. “Não sei. Mas eu gosto dele”. “Eu também. Em amores perros, foi divino”. Deus me olhou com compaixão. Esse tipo de elo não acontece todo dia. “Tudo bem, tudo bem. Mas é um frango por semana! Acho que consigo fazer de você uma estrela”.


Tiago André Vargas
02.07.16


Fotografia tirada em um posto de gasolina em janeiro de 2016 em montevidéu. Pássaros terminam o lanche do casal que sentava ao lado.


sábado, 2 de abril de 2016

Durame aberto



O sonho da cárie dos teus sonhos
Procura uma folha cipreste
Para pousar a modorra do mundo
Balda: só encontra o que lhe encontra
O estrondo da primeira árvore liberta
O incêndio idílico da pangeia da matéria
Rumo à verticalidade da fome do fogo
Terceiros
Anseios
De absolutamente tudo
Florescem a ciência da morte
Para os olhos de girassóis negros
Voltarem-se às trevas do nada
Piscam
Rápido
Reproduzem o som dos primeiros galhos
Buscam provar estarem vivos
Se dobram à realidade
Partem
O parto
Jazem sobre a forquilha do ventre materno
Nas raízes umbilicais a seiva se esparsa
Definitivamente rompidos
Os canais afluentes libertam o cheiro do isolamento
A ignorância da vida é uma semente
Oca
Um dente de leite
Podre
Uma árvore partida sussurrou
Pela dor na ponta das folhas
Palavras que abalariam o sedimento do mundo
Mas ela estava sozinha na floresta
Se nada disse
Ou disse tudo
Só o tronco mudo do sonho morto
Falará
02.04.2016
Tiago André Vargas


Montevideo, janeiro de 2016, foto da Andressa.



Featured Post

Refri de laranja para quem tem sede de sonhos e outras epifanias que cabem numa fritadeira

“Algumas pessoas só conseguem dormir com algum peso sobre o corpo, eu era assim”. Foi o que eu escutei enquanto adormecia na rodoviá...