Não
fomos de muitas palavras
Mas
seus olhos criaram uma sentença completa
Pelas
narinas crescidas o pulo da lua o passo tímido de um
Quadrúpede
que amava a fase minguante
Descrevendo
meu cheiro que não estava mais lá
Sabão
em pó de estrela
Fuligem
industrial no vento sem par
Papel
reciclado com tinta de palavra
Cruzadas
Pelas
guerras de amor e as mortes justificadas pela crença
Casco
de cabra
O
silêncio da fé e o carinho na ausência da razão
Fogueira
de corpos e nosso coração de pedra e madeira
O
desconhecido passou por estas terras
Engravidou
a muitos
Um
pouco antes do deserto arborescente
Da
cultura
Mas
meu cheiro não era de muitas palavras
Mas
seu olfato não era de muitos afetos
Ainda
assim
Escolhiam-se
sempre e dançavam no vazio
A
cama vazia é um velocímetro quebrado
A
distância dos meus dedos é um piano apodrecendo na rodoviária
O
teu cabelo as teclas negras
Aquela
musiqueta do Debussy que abria caminho da raiz à ponta
Ecoa
Na
minha cabeça
O
vagão se distancia
Eu
cruzo minhas botas com certo estilo
Presto
atenção nesse certo estilo
Estas
botas são tudo que tenho para lutar com a solidão
O
couro lustro revela a serventia que surge na morte das coisas
Meu
corpo e meus sonhos poderiam abraçar o pé de alguém
Você
na varanda com uma faca na mão
Uma
laranja na outra
O
fiapo entre os incisivos
O
silêncio incisivo
Uma
atmosfera cortante
Mas
minha cabeça é de muitas palavras
E
ela conversa sem parar
Com
os trilhos de todos os caminhos
Que
já não podem ser feitos
Qual
silêncio caberia ainda fazermos?
O
trem apita vigoroso
Como
quem impõe silêncio com um grito
Joga
fumaça às nuvens
Você
se espreguiça
Conta
os dedos dos pés
Faz
um jogo consigo
Se
a noite trouxer lua nova escreverá um poema e o enterrará
Nas
raízes de uma nogueira
Se
lua crescente sairá à procura de um pássaro que não saiba cantar
O
manterá em cativeiro até a tristeza desabrochar algum som
Se
lua cheia procurará entre postos de gasolina o indivíduo de olhar mais triste
Se
gostar de Dylan e cair uma chuva forte durante a noite
Pela
manhã uma menina brotará nas terras esquecidas da América Latina
Se
lua minguante fechará os olhos e abrirá a janela
Meu
cheiro construirá os trilhos às lembranças que eclodirão no desejo de fuga
De
outras luas
Mas
foi e será sempre
A
mesma lua
O
trem apita vigoroso
Uma
roupa no varal sacode
Uma
fábrica incendeia
Uma
caneta se parte e a tinta vaza entre os dedos azuis
O
trem apita vigoroso
Nós
nunca fomos de muitas palavras
Nosso
tempo não era precioso
O
futuro residia no cheiro do presente
O
passado despejado pela saudade da consciência
Forjada
na dor enquanto o trem se distanciava
Com
você e nós
Pés
velozes e vagões leves
Você
é a razão pela qual estou viajando
Você
é a razão pela qual me tornei viajante
Para
grudar em mim o olor do mundo
Preso
no meu corpo de couro
Amaciado
na haste de uma flor
Um
botão fechado esperando em silêncio
Pela
eternidade
O
toque do seu nariz
Tiago André Vargas
29.04.2018