domingo, 30 de novembro de 2014

Lon/jura



Amá-lo à distância
Sonhada instância

Se chiste insiste
Dormente latente
~~
Ausência
~~
Faz o horizonte
Bater no vidro exíguo
Escassez de tez
Apartado e mímico

Escorregar-te à pálpebra da memória
Arda e tarda quando arde a tarde
E você não está em mim

Pesaroso e pueril
Meu coração de anil
Sofre por só bater
A distância
Tolhido de acertar
A arritmia da consonância

Amplexo
Vem para mim
Tiago André Vargas
30.11.2014




Imagem de Jan Pieter.


terça-feira, 11 de novembro de 2014

Tourmente



Je suis fatigué
Manger
Oublier
Et le son que j'entends n'est pas le son que j'ai créé

Falo em outra língua por não ter a minha
A minha mina cheia de língua
Para europeu algum roubar e sentar sobre
Meu pau, Brasil, é um sonho que troquei por um espelho

Sugar cane fields forever
Sugar açúcar açúgar
Chupa ketchups qué que chups
Não aprendi francês por ter mais o que fazer

Como olhar por uma janela em Florianópolis
O homem fumava crack
O homem fumava a mim
Olhando pela janela em Florianópolis

Eu sentia saudade
Ele sentia encontro

Num cursinho de línguas
Beijo triplo de cachorro
Daqui cinco anos
Muitos sonhos me querem ver morto

Não é francês
Não é mandarim
É para mim
Falar você

Mon nom

Ouça o pau que há no seu coração
E o silêncio que corre pelas veias
Bem fechadas
Da nossa América rotina

Un jour, mon nom sera tourmente
Et ce sera le plus beau jour

Tiago André Vargas

11.11.2014

Fotografia de Cristel.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Vida barata alma baralha



Cupidez
É estupidez
Já dizia o cupido
Infeliz

Deitadas na mesa
Cartas
Sentadas à mesa
A mercê da mesa
A mercê da mesma
Mágoa

Mata-se o tempo
Alma marcada-mercado aduaneiro
Querer respirar Montevidéu
Febre 40 e eu ainda não fiz 26

Qualquer janela é segredo
O vizinho sofre e parece altaneiro
Não cortou a grama e foi para o céu
É assim que vivem todos os reis

Todos batidos
Abatidos
Todos pifados
Enfados

A vida em baralho
Esperando sua vez de cortar
Gato desleixado
Só pula para pegar-se
O morto

  
Tiago André Vargas

21.10.2014


Pintura de John Everett Millais

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Deusamordeuamor



Beijo pêndulo a fender
Vista ulterior
Testa a testa
Deus amor

Perto o bastante para unificar os olhos

Piso preciso e o rosário de rosas penduricalho
Um sentido no dedo toda lágrima é benta
Silêncio levito nos sinos do assoalho
Entremear abrigo nos teus pés areia

Rezo contigo
Enfim ouço
Sem fim sinto
Será assim lado a lado
O terço do teu umbigo na oração do meu imo até o vazio fugir perdoado


Tiago André Vargas

14.10.2014



sábado, 4 de outubro de 2014

4º Prêmio Literário Sérgio Farina


Poderia escrever o mesmo blá, blé, blí = emotivo/gratidão. Poderia mandar um beijo para todo mundo que está me assistindo. Mas no baile de bhaskara eu gosto de ir sem máscara vestido de esfinge/analógica:

Digamos que a escrita seja um monstro que me excita sem autorização. Não que eu goste, ou não. Digamos que aconteça enquanto eu durmo. Digamos que eu ame esse monstro com certo repúdio, todavia, é o que lojas René não dizia: Amo logo fodo. Digamos que eu engravide o monstro. Digamos que este parisse uma centopeia. Digamos que eu embale a centopeia com meus escassos braços.
O tipo de ternura que eu sinto é a mesma ao ver pela primeira vez o livro de um prêmio literário que faço parte.
Fazer parte é cretinice. Cretinice é uma palavra bonita. Grega? Descartes era francês, mas seria mais digno se fosse grego.
"Descartes" tudo isso.


Estou feliz. E escrevi em vermelho por estar correto. Escrevi em negro para disfarçar. Grato e emotivo. Hoje é um dia assim.

4º Prêmio Literário Sergio Farina.
Edição linda.
Centopeia colorida é colírio pra vida, duas noites frias.








04.10.2014
Tiago André Vargas

domingo, 31 de agosto de 2014

Luzidia




Poderia viver na beligerância
Poderia morrer na eiva da vida
Aceitando o fuzilamento no muro da infância
Da mãe, o corpo caíra sobre as flores preferidas

E ainda assim
Nada saberia
E bem assim
Nada seria

Teus olhos de lamparina
Só me mostram quão fundo
É o sonho negro da rapina
Bater de asas, fugir fecundo

Calado e mudo e mudo e mundo
Luzidia
Tiago André Vargas

31.08.2014



Pintura de Manabu Mabe

domingo, 17 de agosto de 2014

Doce a salgado



Na corte não há corte.
O palhaço coleciona dentes, a criança mata insetos. Ambos o fazem por resposta, a porta trancada separa o medo da pergunta.
Eu prefiro doce a salgado, foi o que ela disse, no primeiro encontro.
Mas minha pele tem gosto de incerteza, especialmente na chuva de setembro.
As palmas nos ombros, um suspiro, nova voz serpenteia a gruta do meu caminho, até o lago do meu abrigo, um poço sem carinho, uma volta sem destino.
No aeroporto eu fiquei sozinha, em frente a um homem de relógio niquelado, o plano de fundo na corrida dos ponteiros era azul. De um azul muito vivo, fugitivo dos olhos terrenos. Anil. Eu queria ser sua amiga, ou roubá-lo o relógio. Aquele relógio me faria ser rainha, teria perenemente o semblante de quem está com sorte no baralho, mas ele, bem, ele parecia ter velado alguém que amava.
Sua dor combinaria melhor com o pulso nu.
Teria ele matado algum inseto como resposta?
Teria ele treinado para provocar sorrisos como se isso fosse belo, ou ainda, digno?
Ele me olhou, entrementes.
Eu sorri.
Meu sorriso bateu no seu rosto e voltou, impassível, como luz no espelho. Mas. No retorno, eu, tampouco, estava lá.
Eu gostava de ser acariciada pelas suas mãos, sentir a pulseira me tocar com gelidez repulsiva.
Eu ainda prefiro doce a salgado.

Nós passamos, o tempo fica.
Ele disse.

Na corte não há sorte.

Ele se calou com o coração caloso.
Precisou voar.
Alguém disse.

Tiago André Vargas

17.08.2014


Pintura de Georg Baselitz

domingo, 3 de agosto de 2014

Sós no contravento




Sair de uma tempestade
De areia
Não é fácil quando se é feito
De areia

Faz-se necessária
Uma mão de vento
Mádida para enrijecer
A lufada do querer rebento

Despida do despeito
Desvestida do intento
Orvalhado sentimento
A areia vira nó

Atrela dois sós
No mesmo contravento


03.08.2014

Tiago André Vargas


Pintura de Janine.

domingo, 13 de julho de 2014

Fiquei na idade



Passei da idade
Da passividade
Passo de vida
Passo da vinda

Se ainda fosse menina
Esperaria o tempo vincado
Correr pelas esquinas
Do meu nariz adulado

Demasiados
Elogios postiços baldados no caminho
Inalados
Céu preso no pulmão azulado

Matiz mulher me colori
Fiquei na idade de partir

Tiago André Vargas

13/07/2014


Pintura de Anastasiya Markovich

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Átomo



À toa
Tomo
Átomos

De tempo

Cortados
No ranger
Dos zigomas
Com seu vezo
De socos fragosos
E beijos ternos

Rasgo
O tenro
Terno
Por ser eterno

Como o átomo
Na boca
De um olho maior
Tampouco
Me

Tiago André Vargas
26.06.2014



Pintura de Francis Bacon

domingo, 22 de junho de 2014

Do que não sai com água



Tatuagem seu valor
Qualquer algum depende valor
O corpo grita
Bepantol resigna
Estúpida ideologia
Promessas de vasilhame na cozinha
Provável espelho no banheiro
Bonito ver-se trepando

E, fim.

Tudo só se aplica para
Aquele que se risca
Sabendo que no corpo não está a saída
Das entradas que pedem
A vida
Tinta
Teus olhos de cortina
Poesia
Tatuar o som de um beijo na tua bacia
Ainda não seria algo muito precioso
Palavras vazias
Se for de mentira
Com sabão se tira
Ademais
Vai ficar

Tiago André Vargas
27.10.13


Imagem de Juliano Pereira

terça-feira, 17 de junho de 2014

Eu escolho os nomes


Ela tinha uma voz vazada qualquer nota Carla Bruni e um jeito meio Hindi Zahra, e, por causa dessas semelhanças, eu queria a ouvir gritando quando mordesse o rosado halo do seu mamilo esquerdo, que, como todos sabem, é o lado da emoção.
- Custa quinhentos reais.
- Como pode custar quinhentos reais?
- Isso nem veio para o Brasil, senhor.
Ela era obediente, falava senhor. Olhei para os fundos da loja, não havia ninguém. Na verdade, ela era a dona daquele brechó, trabalhava sozinha, logo, deveria ser independente e inteligente. Provavelmente, insubordinada. Chamava-me de senhor para que eu me sentisse senhor, pois, somente um senhor pagaria quinhentos reais por aquilo.
- Mas… este veio para o Brasil.
- Exato! Provavelmente, somente este. Senhor.
Ela demorou um pouco para me chamar de senhor dessa vez. Esqueceu-se. E, ao corrigir, soou estranho. Olhei para sua pequena loja de brechó, opípara como a saudade. Pressupus que fazia poucos meses que ela estava à frente do negócio, guiada principalmente pela emoção, sem dúvida. Que admirável aquela mulher. Seu cabelo de grenha me inundou impressões feministas, que, sempre me atraíram. Sentia-me uma espécie de louva-a-deus diante de uma feminista, ávido para possuí-la e depois ter minha cabeça decepada.
- Minha mulher, puxa vida, se ela souber do preço… Bem, faz tempo que isso chegou?
- Eu comprei ontem, o dono teve que vender para pagar o aluguel. Não querendo pressionar o senhor, mas já teve duas pessoas que se interessaram. Um deles bem jovem, inclusive, fazia o tipo que iria convencer a mãe abrir o bolso e que correria aqui desesperado com medo que fosse vendido.
- Entendo, é uma raridade.
- Sem dúvida.
- E você gosta?
- Quem não gosta, senhor.
- Minha mulher não gosta.
Ela me olhou com pena, e, até com certa compaixão. Não, ela não transaria comigo, não faço o tipo louva-a-deus, ou, louva-a-ela. Pareço-me mais com o besouro rola-bosta deslizando no vórtice enfadonho do matrimônio. Mas, eu precisava reverter aquilo, ou se não aquilo pelo menos algo, não podia simplesmente sair da vida daquela mulher com essa esquálida impressão causada. Ela era livre demais para que eu fizesse isso.
- Vou levar, e, trate de ser gentil com o menino quando ele voltar com o dinheiro e se colocar a chorar.
- Serei gentil sim… – Ela sorria misteriosa, como um mamífero bem alimentado no calor – Você fez uma ótima compra, sem dúvida, mas deixe longe dos seus filhos, gasolina, sabe como é.
Que senso de humor delicioso. Ela piscou o olho debochado, ciente que fizera um gracejo pouco engraçado, mas, engraçado, pela graça que existe no caminho percorrido ao deixar-se de ser desconhecido. Não me chamava mais de senhor. Seria pela intimidade ganha ou pelo fato de já ter me assaltado?
- Eu não tenho filhos.
Falei como um elevador. Repercutiu disperso, informativo, triste. Parecia que eu tinha feito vasectomia. Que minha mulher além de não gostar do Tarantino também não queria engravidar, o que, era correto.
Que vida fodida, ela era linda e o agora era um adeus.
Saí com minha lata de gasolina embalada nas mãos, dentro, a coleção comemorativa de 15 anos do filme Cães de Aluguel.
Dentro da sacola, Mr. Pink comentou para Mr. White que a mulher da loja inclinou o pescoço ao ver meu bumbum. Mr. White disse que era bobagem, mas Mr. Pink assegurou que uma mulher tarada por Tarantino gostava de brincar com fogo tanto quanto Mr. Blonde. Todos riram. Mr. Brown, recuperando o fôlego, disse que era um erro predizer uma mulher dessa maneira, sem cogitar a possibilidade dela querer se sentir como a Madonna, você sabe, principalmente quando se tem um belo bumbum.
Novamente gargalhadas.
Eu?
Eu estava triste e pensativo, conjecturando a exatidão da minha tristeza. A mulher nem ao menos me disse o nome dela. Mr. Pink negou com a cabeça, na vida, eu ainda era um amador. Mr. Blonde disse que ao menos eu tinha um belo bumbum.
Todos riram.
Eu?
Subi na bosta e rolei para casa, com a certeza que jamais veria este filme novamente.

Tiago André Vargas

17.06.2014



Imagem de Lewis Turner.



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