Na corte não há
corte.
O palhaço coleciona
dentes, a criança mata insetos. Ambos o fazem por resposta, a porta trancada
separa o medo da pergunta.
Eu prefiro doce a
salgado, foi o que ela disse, no primeiro encontro.
Mas minha pele tem gosto
de incerteza, especialmente na chuva de setembro.
As palmas nos ombros,
um suspiro, nova voz serpenteia a gruta do meu caminho, até o lago do meu
abrigo, um poço sem carinho, uma volta sem destino.
No aeroporto eu
fiquei sozinha, em frente a um homem de relógio niquelado, o plano de fundo na
corrida dos ponteiros era azul. De um azul muito vivo, fugitivo dos olhos
terrenos. Anil. Eu queria ser sua amiga, ou roubá-lo o relógio. Aquele relógio
me faria ser rainha, teria perenemente o semblante de quem está com sorte no
baralho, mas ele, bem, ele parecia ter velado alguém que amava.
Sua dor combinaria
melhor com o pulso nu.
Teria ele matado
algum inseto como resposta?
Teria ele treinado
para provocar sorrisos como se isso fosse belo, ou ainda, digno?
Ele me olhou,
entrementes.
Eu sorri.
Meu sorriso bateu no
seu rosto e voltou, impassível, como luz no espelho. Mas. No retorno, eu, tampouco,
estava lá.
Eu gostava de ser
acariciada pelas suas mãos, sentir a pulseira me tocar com gelidez repulsiva.
Eu ainda prefiro doce
a salgado.
Nós passamos, o tempo
fica.
Ele disse.
Na corte não há
sorte.
Ele se calou com o
coração caloso.
Precisou voar.
Alguém disse.
Tiago André
Vargas
17.08.2014
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Pintura de Georg Baselitz |
Muito bom, Tiago!
ResponderExcluirtem gente que não usa relógio,
ResponderExcluirpor que o tempo pesa muito.
saudades de te ler.
Divino, mestre!
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