terça-feira, 28 de junho de 2011

Você estará lá por mim



Passei todo este domingo sozinho

Celebrando a tristeza que um domingo há de ter
Olhei velhas fotos de sorrisos entre amigos
Que afinal não eram tão velhas, pude perceber

Então me lembrei de histórias sem autores
Contatas ao pé do ouvido durante uma infância sem fim
Eram sussurros que falavam de amores
Postas no singular e inventadas para mim

Elas diziam sobre o encontrar, o despertar e o permanecer
Sobre desconhecidos em um elevador sorrindo sem motivo
Sobre o espreguiço compartilhado antes do amanhecer
Sobre o amor como um castigo escolhido e bem vindo

Uma música iniciou suave como orvalho caindo ao chão
Desfiz aquele domingo de mim e desvencilhei-me do tempo
Deslizei pela janela aberta sem controle nem razão
Queria escutar aquela declaração que vestia lamento

Acordei cortado ao meio pelo vento da praia tom de sépia
Pensando algo que poderia escrever para o mar apagar
Talvez estivesse morto, mas despertei da infame apneia
Quando senti teu cheiro dançando junto à brisa do mar

Olhou-me afetuosa segurando meu dedo
Com ele pressionou a areia escrevendo:

Saiba que eu sempre estarei lá por você.

O mar apagou o que estava escrito e nem era preciso
Eu me acordei entre fotos sobre a mesa da cozinha
Abri os olhos e agradeci por todos os próximos domingos
Você do meu lado saiu do quadro virando poesia


Autoria de Tiago André Vargas


Foto encontrada aqui.


terça-feira, 21 de junho de 2011

Carlos, o segurança


Meu nome é Carlos. Eu sou segurança de um shopping center. Mas um segurança de shopping center não é o que sou. Sei que não consegue acreditar nisso, mas, enquanto você sai pelas portas que se abrem com sensor de movimento eu olho para você e sinto compaixão, mas tanta, que quase brota uma lágrima no meu olho. Isso acontece porque eu queria que você fosse especial, mas dona, você é mais uma cópia do que eu vejo saindo a todo o momento por esta porta. Meu nome é Carlos, basta olhar para o crachá. No teu pescoço tem ouro e tantas outras coisas que brilham, mas não vejo nenhuma sequência de letras que forme um nome. Em meu quadril tem uma arma, sou segurança, veja por você mesmo. No seu tem um cinto cuja a fivela é importa do Congo, a produção é Indiana e barata, mas só essa fivela... São 2 meses de salário dona. E as minhas mãos... Ficam na cintura, eventualmente, ficam na arma quando alguém eu quero impressionar, transmitir segurança. Eu sou segurança dona, não olhou ainda o meu crachá? As tuas mãos carregam coisas, tantas coisas que talvez a alça plástica da sacola machuque sua mão delicada. Uma das sacolas é de mercado. Queria poder ver teus olhos escondidos nesses óculos escuros... Mas de qualquer forma, eles não olhariam para mim. Acho que moças são ensinadas a desviarem os olhares de homens, tem dias que nenhuma mulher me olha nos olhos... Já os homens olham, sempre para as mulheres que não olham. Eventualmente um homem me olha nos olhos porque não tem nenhuma mulher por perto, então, nos dois não temos para onde olhar... É quase uma troca mútua de solidariedade, afirmando “Que lugar de merda esse hein?”. A moça entrou no carro... Soltou a sacola e balançou a mão, provavelmente comprou fruta. Fruta pesa. Sabia que ela iria machucar a mão. Um ré cuidadoso... Quase demais... Pronto. Alinhou o volante e partiu. A porta de sensor está fechada. Abriu! É uma mulher. Gostei do colar de prata. Você usa sandálias... Tem uma boca voluptuosa... Meu nome é Carlos, eu sou segurança, mas segurança, não é o que sou.

Autoria de Tiago André Vargas





quinta-feira, 16 de junho de 2011

Contínua continuidade



Era uma quinta-feira de céu fechado, havia uma massa cinza grudada no céu que trouxe a escuridão previamente, eram 3 horas da tarde mas aparentava ser mais... Será que chove?
A bela Ana Paula... Sempre a bela Ana Paula, rosto apoiado sobre a mão em volta do queixo e os olhos próximos do vidro da janela, quantas vezes essa bela mulher de pele descorada faria isso? Isso acabava comigo.
Aquela balzaquiana de cabelo negro pensava... E como gostava de pensar! Pensava tanto que o filósofo do povo lhe diria que isso lhe fazia mal, maldito seja. Observava as gotas de chuva caírem sobre o vidro da janela em fronte ao seu rosto, observava que uma delas ali ficava, andava um pouco e então, outra vinha e a empurrava para frente, sempre no mesmo caminho, sempre uma linha contínua.
Isso lhe fez pensar na vida. Isso lhe fez pensar que quando caímos no vidro começamos a traçar um caminho e nele seguimos. Às vezes queremos parar mas algo nos move para frente, no mesmo caminho. Por que o mesmo caminho?
A vida é início e fim. Tudo nela é o meio termo, a linha que liga os pontos. Aparentemente precisa ser lógica e coerente como uma reta, sensata como um currículo que demonstra o quanto capacitado somos para um emprego, o quanto responsáveis somos para o trabalho, o quanto vegetais somos para o mundo. Previsíveis, contínuos. Por que é desta forma? Talvez pelo simples fato de ser fácil controlar aquilo que não oferece surpresa e assim o sistema se molda e nenhum ato se torna isolado, nos tornamos escravos das ações passadas e escrevemos o futuro sobre um livro de páginas marcadas. Prefere-se a infelicidade do que a falta da continuidade. Aceita-se aquele que ergue muros de racionalidade e é infeliz por dentro, trilhando um caminho que julga ser seu e aceitando a incumbência da infelicidade, inclusive este indivíduo é aceito com méritos enquanto aquele que muda de vida e corre riscos por motivos seus (busca de felicidade, nova percepção, etc.) é taxado de louco, ele é minoria e como se sabe para esta sempre é cabível um dedo apontado para o rosto.
          Ana Paula observou que uma das gotas presas no vidro não se movia. Nenhuma outra gota nela tocava para que continuasse o seu percurso, logo, um vento forte manifestou-se sacolejando a janela e fazendo com que a mesma mudasse o percurso, desprendeu-se do vidro e voou rumo ao desconhecido. Ana Paula sorriu. Por algum motivo pensou que aquela gota seria mais feliz. Por algum motivo.

Autoria de Tiago André Vargas


Foto encontrada aqui.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Dentes de leite


 
Vida, vida, vida.
Eu usei palavras ruins para descrever o cotidiano, depois apaguei-as. Notei que ele descreve-se sozinho e além do mais, mesmo que a sopa esteja realmente fria, ainda restam palavras para escrevermos algo na beira do prato.
Portanto não vamos falar dos conselhos. Muito menos das sentenças. E principalmente das disputas por pena, definitivamente, não das batalhas para ver qual unha está mais encravada e ter como prêmio um queixar-se a vontade.
Quem sabe algo mais puro para iluminar todos corações aflitos neste junho de pouca saliva, enquanto algum garoto que escreve uma carta de amor será baleado por algum garoto que encontrou uma arma no armário do pai. Mas mesmo que existam armas, ainda existe água para sair de seus canos no desfecho épico pouco cômico de um desenho antigo que não vemos mais.
Mas solte a música que eu quero dançar. Neste mesmo lugar onde ninguém dança e ninguém da à mínima para quem dança. Nem para nada, na verdade. Falo daquela garota! Daquela menina, puxa vida, descobri-me fã dela, no sentido mais verdadeiro possível. A propósito, quantos anos teria minha heroína que dança sozinha olhando para os próprios pés como se estivesse no salão de algum palácio enquanto sua mãe passa o leite no caixa do supermercado? Idade suficiente para ser ela mesma, pensei.
Ela dança como se estivesse em algum tipo de transe, sua mãe ficaria preocupada se a visse dançando assim anos mais tardes, principalmente com Ramones ao fundo... Mas... Que mal tem? Deixe a menina dançar, deixe ela esbarrar nas pessoas que erguem suas sacolas com lasanha congelada para não bater nela, deixe ela dar aquele passo engraçado com a perna para trás enquanto o senhor de cara feia para seu carrinho cheio de vinho preocupado que ela quebre algo.
Aquela é uma abençoada garota com dentes de leite que acabou de cair tonta de tanto girar enquanto sua mãe lhe ergue constrangida dos olhares reprovadores dos compradores de pão, queijo e presunto. Talvez a mãe gritasse com ela, mais para demonstrar as pessoas ali presentes que ela lhe dava algum tipo de “educação” através da reprovação, mas por Deus, a nossa heroína sorriu e podemos ver a falta de ambos incisivos em um sorriso moleque de quem girou tanto que caiu de bunda no chão do mercado. A mãe somente a ergueu, sorrindo também e assim a heroína se foi.
Talvez devêssemos perder uns dentes de vez em quando também.


Autoria de Tiago André Vargas
Foto encontrada aqui.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Sem olhos

Abra seus olhos
Não é simples
Tente ver algo
Inspire

Você está triste olhando ao seu redor
Ajustando a xícara de café no armário
Pensando que nada pode ser pior
Quanta falta faz o pires quebrado

Você que muda a cor do seu cabelo
Para dizer que sua vida está mudando
Você que carrega o brilho do desespero
E eu que continuo cego andando

Não é que somos simples ciscos
Em fato todos nada querem ver
Não é que nada há para ser visto
Em fato todos querem aparecer

Todas as televisões ligadas neste momento
Todas as pessoas sem alma em sua fronte
Todas as máquinas produzindo lamentos
Todos os lixos revirados por quem tem fome

Os olhos? Desnecessários
Somos vítimas de rara doença
O globo branco está virado
Para conceber a única beleza

Feche seus olhos
Não é simples
Você pode sentir algo?
Expire.

Por Tiago André Vargas


Foto encontrada aqui

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