domingo, 31 de agosto de 2014

Luzidia




Poderia viver na beligerância
Poderia morrer na eiva da vida
Aceitando o fuzilamento no muro da infância
Da mãe, o corpo caíra sobre as flores preferidas

E ainda assim
Nada saberia
E bem assim
Nada seria

Teus olhos de lamparina
Só me mostram quão fundo
É o sonho negro da rapina
Bater de asas, fugir fecundo

Calado e mudo e mudo e mundo
Luzidia
Tiago André Vargas

31.08.2014



Pintura de Manabu Mabe

domingo, 17 de agosto de 2014

Doce a salgado



Na corte não há corte.
O palhaço coleciona dentes, a criança mata insetos. Ambos o fazem por resposta, a porta trancada separa o medo da pergunta.
Eu prefiro doce a salgado, foi o que ela disse, no primeiro encontro.
Mas minha pele tem gosto de incerteza, especialmente na chuva de setembro.
As palmas nos ombros, um suspiro, nova voz serpenteia a gruta do meu caminho, até o lago do meu abrigo, um poço sem carinho, uma volta sem destino.
No aeroporto eu fiquei sozinha, em frente a um homem de relógio niquelado, o plano de fundo na corrida dos ponteiros era azul. De um azul muito vivo, fugitivo dos olhos terrenos. Anil. Eu queria ser sua amiga, ou roubá-lo o relógio. Aquele relógio me faria ser rainha, teria perenemente o semblante de quem está com sorte no baralho, mas ele, bem, ele parecia ter velado alguém que amava.
Sua dor combinaria melhor com o pulso nu.
Teria ele matado algum inseto como resposta?
Teria ele treinado para provocar sorrisos como se isso fosse belo, ou ainda, digno?
Ele me olhou, entrementes.
Eu sorri.
Meu sorriso bateu no seu rosto e voltou, impassível, como luz no espelho. Mas. No retorno, eu, tampouco, estava lá.
Eu gostava de ser acariciada pelas suas mãos, sentir a pulseira me tocar com gelidez repulsiva.
Eu ainda prefiro doce a salgado.

Nós passamos, o tempo fica.
Ele disse.

Na corte não há sorte.

Ele se calou com o coração caloso.
Precisou voar.
Alguém disse.

Tiago André Vargas

17.08.2014


Pintura de Georg Baselitz

domingo, 3 de agosto de 2014

Sós no contravento




Sair de uma tempestade
De areia
Não é fácil quando se é feito
De areia

Faz-se necessária
Uma mão de vento
Mádida para enrijecer
A lufada do querer rebento

Despida do despeito
Desvestida do intento
Orvalhado sentimento
A areia vira nó

Atrela dois sós
No mesmo contravento


03.08.2014

Tiago André Vargas


Pintura de Janine.

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