Suicídio
não foi feito para se matar; mas se salvar, dos outros.
O
gesto mais altruísta é não pertencer às outras ostras lacradas pela constância
dos propósitos que não calçam e nem dão pé ao sedimentado sentimento. Meu
coração é um formigueiro que ninguém chuta e a chuva, inquilina, talvez na
aposentadoria decida ali morar. Casa de homem é preocupação tatuada por dúzias
de anos, o caramujo já nasce hipotecado, antenado na porra toda nunca esquece a
chave para entrar em casa. Casa, casei. Caçando lagartixa com caneta laser
avistei um homem passar cimento em um tijolo que entrará para a história, sua
bunda sorri para mim de um jeito especial – da maneira como as pessoas faziam
quando eu era jovem e me preocupava em fazer as outras ostras sorrirem. Na
época que eu julgava dentes como pérolas. Hoje, mais para facas. Que raio dos
infernos acometeu aquele menino Hermes e Renato para virar um Thoreau ereto a
meio mastro dando voltas e voltas no seu coração Walden de canoa furada? Amanhã
extrema unção, besuntadas prestações. Eu quase chorei. Quando li Vergílio
Ferreira narrar a obtusa cena do homem no velório do pai, que, tendo que tirar
a bota suja do velho para depois calçar o sapato imponente que abriria caminho
na eternidade (as pessoas tiram o sapato para pisar no céu?), se encontra em um
estranho desafio metafísico. Porra de bota suja que não sai. Sempre é difícil
tirar uma bota, já pensou de um morto? Os movimentozinhos de calcanhar fazem
toda diferença. Então o filho se percebe suando, vermelhão, irado, rivalizando
com a bota uma grande disputa. Não havia mais velório, não havia mais pai
morto. Havia uma bota baleia com capim e terra seca que precisava ser tirada.
Quando terminei de ler aquele capítulo, eu quase chorei. É mais fácil tirar a
bota de um pai morto ou despertar um sorriso sem gume?
Meu
pai não usa botas.
Não
sou mais comédia.
Encaro
as coisas que não me encaram com um rosto de deboche muito sério.
Nada
mais me encara, por isso, nada mais me encanta.
A
pérola está aqui, tanto eu como ela, somos cegos.
Tiago André Vargas
25.06.2015