quinta-feira, 25 de junho de 2015

Outras ostras



Suicídio não foi feito para se matar; mas se salvar, dos outros.
O gesto mais altruísta é não pertencer às outras ostras lacradas pela constância dos propósitos que não calçam e nem dão pé ao sedimentado sentimento. Meu coração é um formigueiro que ninguém chuta e a chuva, inquilina, talvez na aposentadoria decida ali morar. Casa de homem é preocupação tatuada por dúzias de anos, o caramujo já nasce hipotecado, antenado na porra toda nunca esquece a chave para entrar em casa. Casa, casei. Caçando lagartixa com caneta laser avistei um homem passar cimento em um tijolo que entrará para a história, sua bunda sorri para mim de um jeito especial – da maneira como as pessoas faziam quando eu era jovem e me preocupava em fazer as outras ostras sorrirem. Na época que eu julgava dentes como pérolas. Hoje, mais para facas. Que raio dos infernos acometeu aquele menino Hermes e Renato para virar um Thoreau ereto a meio mastro dando voltas e voltas no seu coração Walden de canoa furada? Amanhã extrema unção, besuntadas prestações. Eu quase chorei. Quando li Vergílio Ferreira narrar a obtusa cena do homem no velório do pai, que, tendo que tirar a bota suja do velho para depois calçar o sapato imponente que abriria caminho na eternidade (as pessoas tiram o sapato para pisar no céu?), se encontra em um estranho desafio metafísico. Porra de bota suja que não sai. Sempre é difícil tirar uma bota, já pensou de um morto? Os movimentozinhos de calcanhar fazem toda diferença. Então o filho se percebe suando, vermelhão, irado, rivalizando com a bota uma grande disputa. Não havia mais velório, não havia mais pai morto. Havia uma bota baleia com capim e terra seca que precisava ser tirada. Quando terminei de ler aquele capítulo, eu quase chorei. É mais fácil tirar a bota de um pai morto ou despertar um sorriso sem gume?
Meu pai não usa botas.
Não sou mais comédia.
Encaro as coisas que não me encaram com um rosto de deboche muito sério.
Nada mais me encara, por isso, nada mais me encanta.
A pérola está aqui, tanto eu como ela, somos cegos.


Tiago André Vargas
25.06.2015


domingo, 21 de junho de 2015

Horário nobre



Uma caixa de madeira em verniz sujo rescendendo charuto podre.
Carrego comigo.
E o botão que a liga são as coisas que me fazem perder.
A conta da energia cada vez mais baixa.
Por causa da caixa?
Não exatamente.
O horário nobre nas costas de um domingo de morte faz com que o Fausto de Goethe fique gordo, outrora mais gordo, todavia as jaquetas roxas e os relógios de parede continuam copulando na esquina do meu pensamento.
Nesta esquina tem uma placa: É tudo tão triste.
Pergunto para o guarda o que me aguarda e ele me diz para postar alguma foto em rede de peixes urbanos sociais instantâneos que se pesam por gramas com múltiplas balanças e se comem pela aparência impressa, com pressa.
Meu pai me ensinou comer peixe com limão. E isso é tudo.
Olocobicho.
O louco bicho.
O louco não é o bicho.
O louco é o homem.
Olocohomem.
Fausto é culpado.
Que carregue sua caixa.
Que tire suas fotos no equilíbrio do céu e do inferno.
E que anseie se tornar imperador da máquina fotocopiadora pelos polegares de outros faustinhos jocosos.

Mefistófeles sabe fazer caipirinha.
Caga na calmaria do mar verde.
Livre de tudo que nunca desejou.

Tiago André Vargas

15.12.2013


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