Nota: No dia posterior ao lançamento do meu livro, Mariposas no Útero, fiz a leitura de pequenos textos em uma simpática cafeteria, infelizmente já extinta, chamada Coaaffe. Foi quando li este texto "provocativo" chamado Supernatural. Algumas senhoras se atrapalharam com o manuseio de suas xícaras. Amigos riram sem jeito. Eu ri sem jeito. Diante de uma minúscula plateia desinteressada falar naturalidades de maneira natural não é exatamente natural.
Infelizmente, todos nós estamos no lugar errado.
Supernatural
Andronísio
pensava sobre.
Era
difícil encontrar algo que não fosse natural.
Real,
natural, pleonasmo.
Se
aconteceu, naturalmente ocorreu, mesmo que impingido ou estuprado. Fora feito
de forma natural pela evidência do real. E a violência sórdida ou a singela
solitude mórbida são reais, tanto, que você pode senti-las a qualquer hora da
noite, apenas cole um ouvido na fria sujeira das calçadas em banho álgido. Um
tremor nos ossos. Naturalmente natural. Você pode escutar algo?
Mas
o que ela queria dizer com o seu supernatural?
Andronísio
não gostava da palavra super. Era americano e infantil. Falso. Desnecessário.
Como
uma criança californiana abrindo seu presente de aniversário; um boneco
plástico do superhomem.
Superlegal.
E
não o bastante, esta palavra sempre está grudada em outra. Nada é apenas super,
pois o nada é sincero demais para ser supernada. E é sem hífen mesmo,
indistinta, parasita, mas uma só.
Algo
como supernatural.
E
talvez fosse exatamente isto que ela queria dizer.
Todas
às vezes que sua psicóloga relatava seu comportamento sendo supernatural, ele
sabia que não o era. Como quando urinou sobre o próprio cabelo, ou quando
mordeu a perna do seu cachorro querendo brincar com ele em pé de igualdade.
Mãe, não se preocupe, é supernatural
na idade dele.
No
auge dos seus 13 anos de massa, nos seus 5 ou 7 psíquicos, a única coisa que
Andronísio sabia ser realmente natural naquela psicóloga eram os seus seios.
Curvilíneos e pontiagudos, univitelinos, irmãos despreocupados em constante amparo
e escombro, bastando um leve cruzar de braços ao seu redor para que se tocassem
glorificantes, selados, como dois carros colididos que não podem se afastar.
-
Doutora, eu me masturbo 6 vezes por dia pensando nos seios da senhora.
-
Andronísio, é supernatural na tua idade.
Quanta
decepção.
Seus
seios agora estavam pintados com as cores estadunidenses, envoltos de sacos
bolhas, duas bexigas bem enchidas sem motivos e tão difíceis de estourar.
Não
conseguiu fazer novamente.
E
talvez fosse isso que aquela psicóloga quisesse.
Flácido
diante seus seios europeus, pudico e metódico, cuidadoso com os respingos dourados
para que não atingissem a tampa do vaso, fazendo carinho no cachorro de longe,
lavando a mão depois.
Lavando
as mãos de maneira supernatural.
Se
tornando alguém supernatural.
O
que em um mundo supernatural é muito natural.
O
super deveria ser enfiado no ânus, da mesma maneira que uma criança de 2 anos
faz com uma pilha alcalina. De maneira natural. Super é aceitação. Seperaceitação.
É despreocupado entendimento, um confessionário sobre as nuvens, a infração de
um jogo sem regras.
Permaneça
orgânico em silêncio.
Supernatural
por sobrevivência.
Supersobrevivência.
Mas
cultive algo natural. Um olhar, um sorriso, um regar de plantas na quarta de
manhã, pois os discursos e os seios estão perdidos entre as páginas de um livro
didático que acompanha um cd de áudio riscado.
Dicas
para uma prova que nunca iremos fazer.
Prove.
Tiago André Vargas
Imagem de Ash Dawn.