segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Lírios brancos e as vigas do teu corpo




Neruda fechou meus olhos
Abriu minhas narinas
Me ensinou a palavra certa
Escrita sobre argila
Como um belo mercador negociando sua dor
Cheiro
Por
Olor
Incapaz de parar uma tempestade com meu sorriso de estanho
Mas de olhos fechados e narinas bem abertas
Abraçando o aroma do teu corpo
Sentindo não mais teu cheiro
Estranho
Mas teus olores
Mantos
Mantos envoltos na minha sincera caveira
Embriagando minha têmpora e meus sapatos
É um tremelico no umbigo
Um certo embaraço
Cheira meu corpo
Você me dizia
Cheira meu corpo
Sou feita de lírios e minhas vigas obreiro nenhum criou
Só teu amor que vem negro
No meio dessa tempestade desflorei-o
E vem a tempestade intempestiva
Minha face tão limpa quanto um telhado de vidro
Sem fogo
Me infesta
Tempo dela
Nada posso fazer com meus olhos verdes
Tempestade sem minha metade é um mar de morosidade
Estou só
Estou um e meio
Carregando nas costas uma meia lembrança
Segurando nas mãos um lírio partido ao meio
De narinas bem abertas
Pronto para trocar toda minha dor
Por um pedaço do olor que brota na tua cor
Toda vez
Toda vez
Toda vez
Que ameaça chover

Tiago André Vargas


Fotografia de Gökçe Dilek.


quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Não sei nadar





Um pouco sincero
Demais na verdade
Respondendo perguntas de gosto duvidoso que cheiram a zinco
Respondendo sem saber falar
Por isso eu escrevo
Nem por isso na verdade
Esta é a parte não sincera que torna o texto um pouco sincero
Sinceramente? Nem esta.

Sincero eu seria apenas olhando para a água
Uma lata de cerveja boiando
Pensando no homem que a largou no rio
Espontâneo
Como uma pomba defecando
Um homem que eu poderia odiar
Um homem que eu não poderia ser
Um homem que me faria perguntas
Um homem com cinco citações e sete conselhos
Fórmulas talvez, não, com fórmulas ele ainda seria casado
Ele poderia olhar para algo que eu escrevo e dizer
Você tem um bom título
Eu?
Não sou eu
Mas para ele é a mesma coisa
Não é algo que realmente importa
Diferente de cerveja barata, uma prostituta de dezesseis anos ou um carro vermelho polido

Queria afogá-lo por dormir enquanto grito meus sonhos
A mãe natureza quase me implorava
Mas ele tinha dois filhos
Que ainda não bebiam
Mas era apenas uma questão de tempo
Por hora, jogavam as embalagens de suas guloseimas na água
E eu lá estava
Boiando entre o lixo
Inabalável
Pensando no terceiro livro que escreveria

Inabalável no meio do lixo
Boiando
Pensando no próximo livro

O homem bebeu sua cerveja
Os filhos comeram seus doces
Sentei-me em pedra com limo
O sol se cansou de iluminar nossa torpitude
Encarregando o rio de carregar nossa vileza
Para algum lugar
Qualquer lugar
Queria ir junto
Lá olhar
Não sei nadar
Mas também não quero largar os meus sonhos na água

Tiago André Vargas



Fotografia de Zbigniew B.

domingo, 23 de setembro de 2012

Mil quatrocentas e trinta e três músicas de amor



Depois de andar com moscovitas, babar na barba de certo carioca de mente tristonha e aguçada, quase adoçada pela poesia da vida, seria conveniente esquentar a minha chaleira que não assovia e beber mais um chá de frutas silvestres que tanto se assemelham a veneno de rato.
Minha bebida, talvez. Não, eu já as tenho em demasia.
Desculpe a inexatidão, mas eu não consigo beijar sem antes provocar um sorriso, ou no mínimo, uma dúvida.
Sim, música.
Um pensamento me ocorreu agora, enquanto esfrego minha língua no lábio queimado, recorde-se, minha chaleira não assovia e eu não escuto, tampouco atento, sempre viro os resquícios não evaporados na xícara que queimam para valer.
Como um beijo sem sorriso.
Ou uma música desperdiçada.
Voltando ao pensamento: A arte se gasta? Desgasta? Evapora?
Sim.
Exatamente sim. Uniforme ao nosso estado de espírito. Da mesma forma que você agora desgosta o sorvete de morango, desiste de tocar piano, desaprende a chorar sozinho sobre quatorze polegadas, concebe seu amor como algo findado em estado vegetativo.
Então você a beija de maneira botânica.
Com delicadeza, suavidade e antipatia. Uma bela música toca, é verdade, mas é um belo som desperdiçado. Um amor silencioso que precisa de uma trilha e assim, tornar-se-á um amor suportável, corrijo-me, suportável.
Eu conheci alguém que me fez querer beijá-la entre gritos suaves e graves sorrisos.
Com música e sem música, mas, com música.
De olhos fechados, talvez girando alguns quartos, com o coração ribombado por ela, pelo sonido, pelos afagos e principalmente, pelo sentimento que transcendia as paredes do meu corpo e os olhos das sentinelas do tempo.
Eu percebi que precisava beijar aquela mulher ao som de todas as músicas e de maneira metódica, gênero a gênero, banda a banda, disco a disco, música a música. Genuinamente incentivava os compositores a beberem café, chás de rato, mas não cocaína, precisava de produção! Queria mais músicas, necessitava de mais músicas para beijar aquela mulher, entre um sonho musical e labioso as três da madrugada me amedrontava a possibilidade de findarem-se todas as músicas e necessitar-iria beijar aquela mulher em silêncio.
Talvez sem música eu perdesse o encanto, ela o perdesse, eu me tornaria uma planta, quem sabe ela.
Desperdiçado o nosso amor. Corrijo-me, desperdiçado o nosso.
Seria a completa ruína.
Haveria mil quatrocentas e trinta e três músicas completamente destruídas pelo seu fantasma cavalgando pelo tempo através do passado, enfiand0-se dentro dos rádios e alto-falantes, putrefazendo qualquer melodia de amor que por eles poderia ser influída.
Cala a boca, você me disse.
Colocando o indicador sobre o meu lábio queimado pelo chá beijou-me em silêncio.
Eu fiquei em paz.
Havia ainda tantas músicas, havia ainda você.

Autoria de Tiago André Vargas


Fotografia de Lea.

sábado, 15 de setembro de 2012

Seja o que for seja rápido



Parece que tudo isto está pronto agora, enquanto confiro o comprimento das minhas unhas, tortas, como lascas de madeiras subadjacentes nas arestas de uma porta sempre aberta.
Porém nunca é rápido o bastante.
Nem os gnus, nem as árvores empíricas que caem sozinhas, tampouco o movimento gravitacional de um abraço cortado pelos dias da semana.
É tudo tão lento.
Quando sorrimos sozinhos ou choramos em comunhão, sempre moroso, como uma voz emanada de algum ponto longínquo através de um cano sujo, tão distante e distorcida, não podemos bater os pés de uma maneira feliz.
Ou fugir.
Não saberíamos como e mesmo que, não queremos, justamente pelo inconcebível que jamais será almejado pois querer é primariamente saber.

Tudo tão lento, vertiginoso, seguimos mas a vida não mais parece nos acompanhar, deixá-la então para trás? Se isto for uma súplica suicida não se preocupe, eu carrego um 0800 sempre comigo, junto com meu telefone sem crédito, no meu bolso sem forro, ao redor da minha perna tão viva que carrega todo este tronco pouco musgoso numa espécie de trono, mas sempre, eu digo incansavelmente, tão lento.
Lento demais.
Lento o bastante.
O suficiente para que ISTO alcance tudo.
ISTO que eu e você agora sentimos.
Mas, às vezes dobramos alguma esquina e tudo parece ficar bem, uma fuga perfeita. Não tarda a linha retilínea, o medo, agonia, a busca por outra esquina. Se você ligar, ninguém vai atender. Não há créditos.
Continue em movimento.
Seja o que for, seja rápido.

Autoria de Tiago André Vargas

Fotografia de Nikos Koutoulas.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Mariposas no Útero - Capa e informações descartáveis


E agora, o livro não somente tem uma capa, mas tornou-se um livro. Seja lá o que isso for, é algo palpável, não em minhas mãos, mas nos meus binários sonhos. Sem contar que existe um inseto pegajoso em sua fronte que por mim não fora escolhido, mas dado, como um filho, desde sempre amado.
O intemporal “em breve” está agora mais breve.
Tão próximo que me é possível algum ar de liberdade, uma desvirtuada sensação de cumplicidade pela dor e o prazer que tive em escrever este livro, em breve, tão breve, compartilhada nestes mesmos olhos que agora correm letra por letra produzindo infinitos significados para esta mensagem destemperada, cheia de publicitárias promessas eleitorais de alguém que não busca se eleger.
Talvez renunciar.
Na verdade, voar.
No escuro.
Sem ser visto, apenas sentido, leve e pungente como um bater de asas na sincera ausência das cores.
Mas, eu falhei.
Acabei sendo intenso e repulsivo como um beijo de cólera.

Mais informações. Em. Breve.

Tiago André Vargas

Capa do livro Mariposas no Útero - Tiago André Vargas - Editora Multifoco

sábado, 1 de setembro de 2012

Aponta-dor quebrado




De alguma forma desaponto
Não é meu êxito ou fracasso
É a expectativa fulgurante germinando em luz contrária
Minha sombra
Meu escombro
Meu escoro
Eu escorro
Para as quinas, os rodapés, as caneletas e o teu umbigo
Fujo dos olhos
Dos teus e dos meus
Dos seus e dos nossos
De alguma forma eu me desaponto
Enquanto aponto todos a minha volta
Afiados
Prontos para a tão aclamada guerra
Cuja qual não mais acredito
Meu gatilho
Este dispara flores
Mas eu torço minha cara
Fingindo uma constante última bala
Desapontada mas apontada
Entre os olhos do inimigo
Igualmente desapontado
Sem sombra
Sem escoro
Não mais escorro
Os olhos se fecham
Ninguém puxará o gatilho
Todos estão desapontados e tão bem apontados
Não podem abrir as mãos
Estas carregam suas cascas, a côdea de madeira ou o próprio brio da vida
Não é possível um cumprimento
Um carinho
Dois carinhos
Nem mesmo um puxar de gatilho
Punhos fechados
Compulsório apontar
Para os erros de outrem
Para o próprio vigoroso lápis
Afiado como uma esgrima
Perfeito para a caligrafia
Porém
Não há nada a ser escrito
E se escrevo
Não tenho êxito ou fracasso
Agradeçam ou não
Meu fatídico apontador quebrado
Autoria de Tiago André Vargas

Imagem de Xeno.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Penas e penas




Não somos dóceis o bastante para as mamas.
Não temos clareza sobre este grupo; mamíferos.
Não jogamos no mesmo time que um humano adiposo, quem dirá de um leão-marinho.
Mas nós também não jogamos no grupo dos humanos delgados. Homicídios, latrocínios, fratricídios, infanticídios.
E no meio do ano costuma sair o dissídio.
E outros mamíferos esperam com isso diminuir os homicídios, latrocínios, fratricídios, infanticídios e até os matricídios que eu não incluí na primeira relação em respeito a minha mãe.
Por pena na verdade.
Pena é uma alternativa.
Não este asqueroso sentimento legitimamente humano criado para justificar a culpa, falo daquelas que escreveram outrora, das mesmas que não deixam se molhar uma galinha. Espero que você já tenha molhado uma galinha. Talvez ajude no processo de sermos humanos.
Na época que fui humano costumava correr atrás delas. Dava palmadas e gritava tentando fazê-las voar. Eu queria ver qualquer coisa voar, até mesmo uma galinha.
E talvez, se eu tivesse estas penas, as mesmas penas carijós, hoje eu continuaria sendo humano. Não me exibiria pelos ares em rodopios, nem cantarolaria qualquer canção para que homem algum me imitasse depois em assovios, mas talvez, se subisse em algo alto, pudesse voar por alguns segundos, talvez minutos.
Não sei o quão alto poderia voar, mas lá de cima, sei que perceberia toda insignificância dos mamíferos e suas mamadeiras, dos seus joelhos vermelhos pela culpa, das suas vestes neutras, dos seus olhares pragmáticos, dos seus canudos entupidos pela semente de uma laranja.
Eu saberia a importância de uma semente de laranja, pois bem lá de cima, é como tudo se parece.
Mas nós não temos penas.
O que é uma pena.

Autoria de Tiago André Vargas

Fotografia de Tracie.

sábado, 4 de agosto de 2012

Salmão em pólvora



Você não pode sentir
Nada
Que você não queira

Não seja outro isqueiro esperando que alguém liberte todo fogo que há dentro de você. Seja um salmão, fiel ao seu propósito.
Tente.
Não tente.
Seja um chupim e terceirize seus filhos.
Ainda há crédito no mercado financeiro.
Escreva uma carta de amor agora, assine com outro nome e a deixe sobre o banco da praça. Não ouse aguardar a fim de constatar o destinatário.
O destino não importa.
Apenas o remetente e este, você sabe quem é. Ou não?
Eu entendo.
Seja então o próprio banco da praça e permita que as pessoas se vão, em vão.
Ou não.
Mas lembre-se do salmão.
Ou não.

Dias como o de hoje onde não escutei o assombro da vida me trazem otimismo, principalmente quando abro minha janela e vejo um asfalto aberrante molhado, como se banho alguém o tivesse dado.
Mas este é o meu isqueiro.

Pare de procurar sentido ou comoção nas minhas palavras.

Você não pode sentir
Nada
Que você não queira

Autoria de Tiago André Vargas


quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Quando o balde está vazio





O balde está vazio
Esta não é uma frase poética
Nem uma evasiva bélica
É apenas uma constatação
Com todo esmero de
Nada pode ser feito
Não há a lástima do esvaziar
Nem a correria do secar
O balde está vazio
Talvez nunca estivesse cheio
Talvez nunca tivesse proveito
Mas não há passado
Não há lamento
Não há presente
Não há defeito
Meu feito
Em efeito
É olhar para o balde
E dizer sem palavras para mim mesmo
O balde está seco

E geralmente nestas horas, quando o vazio até algo bonito se torna, começa a chover.

Autoria de Tiago André Vargas
01.08.2012

Fotografia de Mauricio Arrue.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Sobre os caras que tocam violão


Este texto é estúpido, por dois motivos: Estou cansado e bêbado. E por um terceiro motivo, que me lembrei somente agora justamente por estar bêbado: Eu sei tocar violão.
Muitas pessoas sabem tocar violão. Mas eu sei tocar violão. E o que há demais em tocar violão? Nada. Mas alguma coisa há em tocar violão.
O motivo que leva um ser humano, um bípede com demasiados e inúteis pelos sobre o crânio a chacoalhar seus 206 ossos empunhando um violão é um terreno arenoso, pegajoso, como mãos de crianças na segunda-série enquanto colam cartolina verde sobre cartolina amarela.
Eu não quero falar de ego. Eu não consigo mais escrever sobre. Todos nós somos egos sobre rodas e o violão para muitos é um óculos novo, mas eu também não quero falar sobre isso. Deixe-me falar menos do óbvio, que é óbvio, todos querem aplaudir.
Os caras, baixos ou altos, magros ou largos, enfiados em camisas negras com estampas baratas de gravuras diabólicas ou ternos caros e reluzentes chapéus de blues, todos eles aprenderam tocar violão pelo mesmo motivo: Eles querem tocar você.
E eu admiro alguém que procura tocar outrem. Mesmo que seja a única música do Nirvana, mesmo que seja para a garota errada, mesmo que seja para agradar o pai que gosta de música ou desagradar o pai que não gosta de música, ou ainda visando se destacar no culto religioso... Tanto faz. Eu admiro esse cara. Eu admiro qualquer coisa que possa emitir um som, desde que triste.
Mas eu não estou bêbado.
Nem tão cansado assim.
E por fim, este texto não ficou tão obtuso.
Tudo isso porque eu não sei tocar violão.
Tudo isso porque eu desisti de tocar você.
Só e mudo eu consigo libertar meu som, belo, portanto, triste.
Uma nota dele está aqui.
Você pode escutar?
Talvez eu também tenha mentido sobre tocar você.

Autoria de Tiago André Vargas, que realmente não sabe tocar violão, mas tem um violão em casa.

Fotografia de Heidi.

domingo, 15 de julho de 2012

Baloiçar


Um avô eterno primeiro melhor amigo disse que tudo nesta vida era para se balançar.

Havia um balanço
Uma terra judiada para se impulsionar
E algum vento com prazo de validade a tocar no rosto
Alice segurou as correntes atadas àquela tábua
Sentou-se
E com vinte dedos se pôs a voar

Havia um balanço
Alguém para com quem compartilhar
Somaram-se dez dedos pelas costelas a lhe empurrar
Um vento válido com frescor de pêssego
Uma tarde de hálitos doces escorrendo pela grama
Pois Alice nunca se engana
Nem mesmo seus cabelos podem lhe acompanhar

Havia dois balanços
Alguém para com quem voar
O vai e vem da vida
Eras por baixo estações por cima
Chuva noturna dedos e língua
Ninguém queria tocar nas nuvens
Apenas sorrir em sincronia
Ninguém queria voar mais alto
Apenas balançar a vida

Autoria de Tiago André Vargas
Fotografia de Ton Müller.

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Refri de laranja para quem tem sede de sonhos e outras epifanias que cabem numa fritadeira

“Algumas pessoas só conseguem dormir com algum peso sobre o corpo, eu era assim”. Foi o que eu escutei enquanto adormecia na rodoviá...