domingo, 25 de dezembro de 2011

Caminhando sozinho

Não importa quantos pés tocam o solo
Nem o tamanho da corrente humana
Seguimos em decoro o protocolo
Aparente envolto de quem se ama

Mas estamos sozinhos na chuva
Abraçados a quem te engana
Deitados sobre quem te chupa
Mortos por quem não sangra

Um pé depois do outro
Notável dia cor pedra
Teu beijo meu logro
Nada será como era

No fim caminho sozinho
Por ser a única forma de avançar
Somente parado recebo carinho
Falsa recompensa por não mais andar

Caminhando sozinho na retidão do sol e da lua
Correndo em passos lentos atrás de um amigo
Pela estrada imunda cheia de curvas
Repreendendo vômito para tocar o inatingível

Às vezes mudo a direção
Perco-me de propósito
Avanço duas ou três estações
Retorno ao caminho insólito

Depois da curva existe um bueiro
Ou talvez um labirinto
Quem sabe um mosteiro
Ou até mesmo meu destino

Pois mesmo que saias da estrada
Será sempre em vão
A estrada não está no chão
E sim onde teu pé maltrata

Então se move
Ou se para
Então se encolhe
Ou se dispara

Há garantia no olho e a promessa do que não pode ser visto

O que existe depois do infinito?
Nada talvez
Mas como pássaro que voa abatido
Contento danço no céu uma última vez

Autoria de Tiago André Vargas
Foto encontrada aqui.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Atalhos de concreto em deserto de filas líquidas

Então é isso.
Sem auto-sacrifício, sem amor e sem glória.
Demasiada arrogância em se julgar especial, o único floco de neve que pousou sobre o nariz de Deus. Não é assim?
Vejam: Existem duas filas.
Na primeira há uma legião enfileirada em suas melhores roupas transpirando como bebês febris na doce espera, a inefável oportunidade de provar-se especial.
Na segunda existem fantasmas turvos sem sorriso no rosto com belas formas, belos trejeitos, adornos que brilham, objetos que queimam. Tudo em perfeita indiferença.
Então inicia-se a dança. Acasalamento.
As duas filas caminham, encontram-se, misturam-se. Como exércitos inimigos em luta corporal.
O resultado disto, como de quase todo atrito, é dor. Lágrimas frustradas por não ser o floco de neve especial que pousou sobre o nariz de Deus. Lágrimas por não encontrar o floco de neve especial que pousou sobre o nariz de Deus. E a consolação é o toque vazio, a união dos corpos em joguete de sedução cinematográfico, combinado, tão casual quanto esbarrão em ônibus lotado.
Mas de tudo isto, desta dança mutilada com integrantes escolhidos a dedo no escuro, vez por outra, alguém se cansa de procurar por neve ao redor do magnífico vulcão chamado insatisfação e sai da roda.
Libertação da libertinagem? Foda-se todas bicicletas ergométricas do planeta. Sem ir para o fim da fila ou julgando-se excepcional o bastante para gozar de uma.
Alguns saem da roda levando consigo alguém, de mão dada, apertando-a bem forte... Não para evitar perdê-la no meio da multidão, pois união é permanência sem presilha, mas, no entanto, se segura aquela mão simplesmente pelo saber da existência de alguém ali. Alguém que também te percebe. Percebe o delírio?
Você aperta bem forte a mão de quem caminha contigo. Esta aperta a tua mão de volta.
Sempre.
Confusamente, talvez, passa-se a existir.

Autoria de Tiago André Vargas
Foto encontrada aqui.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Toma-te

Nasci sem mim.
Cresci no meio da serragem deixada pelo serrote de dente gasto, idônea a fuga da lâmina que ameaça torrar o dedo. O polegar que apóia.
 Corri por vários anos prescindidos, bebendo vinho ou coisa que o valha por não ansiar champagne vencida, ignorando a falta dos copos de cristais por não ter com quem brindar, olhando para o mar no meio de uma multidão branca que grita feliz ano novo enquanto na singularidade do meu peito tudo parece velho e fotocopiado, como tantos anos que me passaram enquanto eu não tinha nascido.
Eu nasci sem mim. Encontrei-me apenas depois de muito tempo.
Deixei-me desabrigado em chuva de ignorância sem rolo de pão, mas sempre seguindo a massa. Observei outro mesmo eu fazer o que lhe disseram ser correto. Assisti bem de longe, desinteressado.
Até que um dia senti pena. Pena de verdade, desditoso pra cacete. Fui até mim e tomei-me, peguei-me no colo como um padrasto faz pela primeira vez com o filho que não o pertence. Não havia como ser natural, mas nem por isso foi indigno. Foi como foi.
Quando consegui nascer em mim, tomar-me por dentro, buscar aquela matéria transeunte dando-lhe alma, por um momento pensei que havia encontrado resposta.
Em segundo momento odiei a limitação que aquele corpo me impôs em trágica análise que tudo não passava de ação e reação em escala infinitesimal, desde embriológica até revolucionária escolha amorosa, tudo era um dominó principado montado ruidosamente por uma criança de 9 anos chamada destino.
Em terceiro momento aceitei a mim mesmo e abri um livro para fugir da sina de ser quem tu és. Apenas consegui tomar-me quando percebei que meu Eu era livre. Liberto e excomungado pela ideológica de ser algo unificado e inteligível, logo, consegui revelar-me a mim.
Descobri-me perdido... E me encontrei sem saber.

Autoria de Tiago André Vargas
Foto encontrada aqui.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O moinho que lavou com vento meu moído sentimento

O lençol enrolava parcialmente meu corpo
Em devaneio com você sonhava
Acordei com o toque do teu gosto
Amarga certeza que já não me amava

Virei para o lado, voltei para o sonho, volvi para ti

Sonhos reais em mundos claustrofóbicos
Impedido de controle ou ação desventurada
Na terra dos que dormem tudo é mórbido
Fantasias quebradas em pálpebras fechadas

Em delírio eras bela, uniforme, congruente
Corria-me por pastos altos em noites claras
Apontando no céu toda falsa estrela cadente
Iluminando quimeras pálidas que não podem ser amadas

Quem saberá o tamanho de minha frustração?
Quando em sonho percebi minha mentira
Quando em sonho derramei minha razão
Quando em sonho percebi que não a tinha

Não foste capaz de enganar a ti próprio
Nem mesmo enquanto dormias!
Pretende agora viver em equinócio
Fazer castelos com lascas de argila

O lençol enrolava parcialmente meu corpo
Em devaneio com você sonhava
Acordei com o toque do teu gosto
Amarga certeza que já não me amava

Virei para o lado, virei para o outro, despertei

Deitado sobre a grama de braços cruzados sobre a nuca
De peito inflamado pelas dores famigeradas da saudade reclusa
De alma lavada por eternamente perder a penúltima luta
De olho atento ao ver a pá de vento girando em torno do que nada muda

Autoria de Tiago André Vargas
Foto encontrada aqui.

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