quinta-feira, 16 de junho de 2011

Contínua continuidade



Era uma quinta-feira de céu fechado, havia uma massa cinza grudada no céu que trouxe a escuridão previamente, eram 3 horas da tarde mas aparentava ser mais... Será que chove?
A bela Ana Paula... Sempre a bela Ana Paula, rosto apoiado sobre a mão em volta do queixo e os olhos próximos do vidro da janela, quantas vezes essa bela mulher de pele descorada faria isso? Isso acabava comigo.
Aquela balzaquiana de cabelo negro pensava... E como gostava de pensar! Pensava tanto que o filósofo do povo lhe diria que isso lhe fazia mal, maldito seja. Observava as gotas de chuva caírem sobre o vidro da janela em fronte ao seu rosto, observava que uma delas ali ficava, andava um pouco e então, outra vinha e a empurrava para frente, sempre no mesmo caminho, sempre uma linha contínua.
Isso lhe fez pensar na vida. Isso lhe fez pensar que quando caímos no vidro começamos a traçar um caminho e nele seguimos. Às vezes queremos parar mas algo nos move para frente, no mesmo caminho. Por que o mesmo caminho?
A vida é início e fim. Tudo nela é o meio termo, a linha que liga os pontos. Aparentemente precisa ser lógica e coerente como uma reta, sensata como um currículo que demonstra o quanto capacitado somos para um emprego, o quanto responsáveis somos para o trabalho, o quanto vegetais somos para o mundo. Previsíveis, contínuos. Por que é desta forma? Talvez pelo simples fato de ser fácil controlar aquilo que não oferece surpresa e assim o sistema se molda e nenhum ato se torna isolado, nos tornamos escravos das ações passadas e escrevemos o futuro sobre um livro de páginas marcadas. Prefere-se a infelicidade do que a falta da continuidade. Aceita-se aquele que ergue muros de racionalidade e é infeliz por dentro, trilhando um caminho que julga ser seu e aceitando a incumbência da infelicidade, inclusive este indivíduo é aceito com méritos enquanto aquele que muda de vida e corre riscos por motivos seus (busca de felicidade, nova percepção, etc.) é taxado de louco, ele é minoria e como se sabe para esta sempre é cabível um dedo apontado para o rosto.
          Ana Paula observou que uma das gotas presas no vidro não se movia. Nenhuma outra gota nela tocava para que continuasse o seu percurso, logo, um vento forte manifestou-se sacolejando a janela e fazendo com que a mesma mudasse o percurso, desprendeu-se do vidro e voou rumo ao desconhecido. Ana Paula sorriu. Por algum motivo pensou que aquela gota seria mais feliz. Por algum motivo.

Autoria de Tiago André Vargas


Foto encontrada aqui.

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