terça-feira, 17 de junho de 2014

Eu escolho os nomes


Ela tinha uma voz vazada qualquer nota Carla Bruni e um jeito meio Hindi Zahra, e, por causa dessas semelhanças, eu queria a ouvir gritando quando mordesse o rosado halo do seu mamilo esquerdo, que, como todos sabem, é o lado da emoção.
- Custa quinhentos reais.
- Como pode custar quinhentos reais?
- Isso nem veio para o Brasil, senhor.
Ela era obediente, falava senhor. Olhei para os fundos da loja, não havia ninguém. Na verdade, ela era a dona daquele brechó, trabalhava sozinha, logo, deveria ser independente e inteligente. Provavelmente, insubordinada. Chamava-me de senhor para que eu me sentisse senhor, pois, somente um senhor pagaria quinhentos reais por aquilo.
- Mas… este veio para o Brasil.
- Exato! Provavelmente, somente este. Senhor.
Ela demorou um pouco para me chamar de senhor dessa vez. Esqueceu-se. E, ao corrigir, soou estranho. Olhei para sua pequena loja de brechó, opípara como a saudade. Pressupus que fazia poucos meses que ela estava à frente do negócio, guiada principalmente pela emoção, sem dúvida. Que admirável aquela mulher. Seu cabelo de grenha me inundou impressões feministas, que, sempre me atraíram. Sentia-me uma espécie de louva-a-deus diante de uma feminista, ávido para possuí-la e depois ter minha cabeça decepada.
- Minha mulher, puxa vida, se ela souber do preço… Bem, faz tempo que isso chegou?
- Eu comprei ontem, o dono teve que vender para pagar o aluguel. Não querendo pressionar o senhor, mas já teve duas pessoas que se interessaram. Um deles bem jovem, inclusive, fazia o tipo que iria convencer a mãe abrir o bolso e que correria aqui desesperado com medo que fosse vendido.
- Entendo, é uma raridade.
- Sem dúvida.
- E você gosta?
- Quem não gosta, senhor.
- Minha mulher não gosta.
Ela me olhou com pena, e, até com certa compaixão. Não, ela não transaria comigo, não faço o tipo louva-a-deus, ou, louva-a-ela. Pareço-me mais com o besouro rola-bosta deslizando no vórtice enfadonho do matrimônio. Mas, eu precisava reverter aquilo, ou se não aquilo pelo menos algo, não podia simplesmente sair da vida daquela mulher com essa esquálida impressão causada. Ela era livre demais para que eu fizesse isso.
- Vou levar, e, trate de ser gentil com o menino quando ele voltar com o dinheiro e se colocar a chorar.
- Serei gentil sim… – Ela sorria misteriosa, como um mamífero bem alimentado no calor – Você fez uma ótima compra, sem dúvida, mas deixe longe dos seus filhos, gasolina, sabe como é.
Que senso de humor delicioso. Ela piscou o olho debochado, ciente que fizera um gracejo pouco engraçado, mas, engraçado, pela graça que existe no caminho percorrido ao deixar-se de ser desconhecido. Não me chamava mais de senhor. Seria pela intimidade ganha ou pelo fato de já ter me assaltado?
- Eu não tenho filhos.
Falei como um elevador. Repercutiu disperso, informativo, triste. Parecia que eu tinha feito vasectomia. Que minha mulher além de não gostar do Tarantino também não queria engravidar, o que, era correto.
Que vida fodida, ela era linda e o agora era um adeus.
Saí com minha lata de gasolina embalada nas mãos, dentro, a coleção comemorativa de 15 anos do filme Cães de Aluguel.
Dentro da sacola, Mr. Pink comentou para Mr. White que a mulher da loja inclinou o pescoço ao ver meu bumbum. Mr. White disse que era bobagem, mas Mr. Pink assegurou que uma mulher tarada por Tarantino gostava de brincar com fogo tanto quanto Mr. Blonde. Todos riram. Mr. Brown, recuperando o fôlego, disse que era um erro predizer uma mulher dessa maneira, sem cogitar a possibilidade dela querer se sentir como a Madonna, você sabe, principalmente quando se tem um belo bumbum.
Novamente gargalhadas.
Eu?
Eu estava triste e pensativo, conjecturando a exatidão da minha tristeza. A mulher nem ao menos me disse o nome dela. Mr. Pink negou com a cabeça, na vida, eu ainda era um amador. Mr. Blonde disse que ao menos eu tinha um belo bumbum.
Todos riram.
Eu?
Subi na bosta e rolei para casa, com a certeza que jamais veria este filme novamente.

Tiago André Vargas

17.06.2014



Imagem de Lewis Turner.



Um comentário:

  1. Ao som de Bruni eu li e me maravilhei.
    Muito bem escrito, parabéns, Tiago!

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