Ela tinha uma voz
vazada qualquer nota Carla Bruni e um jeito meio Hindi Zahra, e, por causa
dessas semelhanças, eu queria a ouvir gritando quando mordesse o rosado halo do
seu mamilo esquerdo, que, como todos sabem, é o lado da emoção.
- Custa quinhentos
reais.
- Como pode custar quinhentos
reais?
- Isso nem veio para
o Brasil, senhor.
Ela era obediente,
falava senhor. Olhei para os fundos da loja, não havia ninguém. Na verdade, ela
era a dona daquele brechó, trabalhava sozinha, logo, deveria ser independente e
inteligente. Provavelmente, insubordinada. Chamava-me de senhor para que eu me
sentisse senhor, pois, somente um senhor pagaria quinhentos reais por aquilo.
- Mas… este veio para
o Brasil.
- Exato!
Provavelmente, somente este. Senhor.
Ela demorou um pouco
para me chamar de senhor dessa vez. Esqueceu-se. E, ao corrigir, soou estranho.
Olhei para sua pequena loja de brechó, opípara como a saudade. Pressupus que fazia
poucos meses que ela estava à frente do negócio, guiada principalmente pela
emoção, sem dúvida. Que admirável aquela mulher. Seu cabelo de grenha me
inundou impressões feministas, que, sempre me atraíram. Sentia-me uma espécie
de louva-a-deus diante de uma feminista, ávido para possuí-la e depois ter
minha cabeça decepada.
- Minha mulher, puxa
vida, se ela souber do preço… Bem, faz tempo que isso chegou?
- Eu comprei ontem, o
dono teve que vender para pagar o aluguel. Não querendo pressionar o senhor,
mas já teve duas pessoas que se interessaram. Um deles bem jovem, inclusive,
fazia o tipo que iria convencer a mãe abrir o bolso e que correria aqui
desesperado com medo que fosse vendido.
- Entendo, é uma
raridade.
- Sem dúvida.
- E você gosta?
- Quem não gosta,
senhor.
- Minha mulher não
gosta.
Ela me olhou com
pena, e, até com certa compaixão. Não, ela não transaria comigo, não faço o
tipo louva-a-deus, ou, louva-a-ela. Pareço-me mais com o besouro rola-bosta
deslizando no vórtice enfadonho do matrimônio. Mas, eu precisava reverter aquilo,
ou se não aquilo pelo menos algo, não podia simplesmente sair da vida daquela
mulher com essa esquálida impressão causada. Ela era livre demais para que eu
fizesse isso.
- Vou levar, e, trate
de ser gentil com o menino quando ele voltar com o dinheiro e se colocar a
chorar.
- Serei gentil sim… –
Ela sorria misteriosa, como um mamífero bem alimentado no calor – Você fez uma
ótima compra, sem dúvida, mas deixe longe dos seus filhos, gasolina, sabe como é.
Que senso de humor
delicioso. Ela piscou o olho debochado, ciente que fizera um gracejo pouco
engraçado, mas, engraçado, pela graça que existe no caminho percorrido ao
deixar-se de ser desconhecido. Não me chamava mais de senhor. Seria pela
intimidade ganha ou pelo fato de já ter me assaltado?
- Eu não tenho
filhos.
Falei como um elevador.
Repercutiu disperso, informativo, triste. Parecia que eu tinha feito
vasectomia. Que minha mulher além de não gostar do Tarantino também não queria
engravidar, o que, era correto.
Que vida fodida, ela
era linda e o agora era um adeus.
Saí com minha lata de
gasolina embalada nas mãos, dentro, a coleção comemorativa de 15 anos do filme
Cães de Aluguel.
Dentro da sacola, Mr.
Pink comentou para Mr. White que a mulher da loja inclinou o pescoço ao ver meu
bumbum. Mr. White disse que era bobagem, mas Mr. Pink assegurou que uma mulher
tarada por Tarantino gostava de brincar com fogo tanto quanto Mr. Blonde. Todos
riram. Mr. Brown, recuperando o fôlego, disse que era um erro predizer uma
mulher dessa maneira, sem cogitar a possibilidade dela querer se sentir como a
Madonna, você sabe, principalmente quando se tem um belo bumbum.
Novamente
gargalhadas.
Eu?
Eu estava triste e
pensativo, conjecturando a exatidão da minha tristeza. A mulher nem ao menos me
disse o nome dela. Mr. Pink negou com a cabeça, na vida, eu ainda era um
amador. Mr. Blonde disse que ao menos eu tinha um belo bumbum.
Todos riram.
Eu?
Subi na bosta e rolei
para casa, com a certeza que jamais veria este filme novamente.
Tiago André
Vargas
17.06.2014
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Imagem de Lewis Turner. |
Ao som de Bruni eu li e me maravilhei.
ResponderExcluirMuito bem escrito, parabéns, Tiago!