domingo, 4 de maio de 2014

Librei



Trovejou no céu um tambor carregado de ódio terreno.
A lebre assustada rezou. Uniu as patas untadas de orvalho e, olhando o céu plúmbeo através dos círculos concêntricos de uma teia sem sua artífice, indagou quantos graus eram necessários para uma nuvem desistir da equação.
Aquela lebre tremia com a agudeza sonora que lhe entrava nas grandes orelhas impolutas no vórtice da solidão, não raras vezes, escutando o estalar do tempo na alma dos pinheiros. Girava ritmicamente seu pequeno crânio, cada curto e rápido movimento era acompanhado do pensado Onde está? Onde está? Onde está? E, quando fechava pausadamente os olhos, concluía: o meu lugar…
A lebre librava imprecisa a sua vida. Como a outros tantos seres acontecia, soterrada pelas variáveis líquidas que nada mais são que cegos escafandristas, pegadas leves na areia marina que a emoção move, remove, comove e desfaz, atônita e aflita, a lebre singrou e nada pesou na analítica balança temporal. Trovejou a equação. Cortou o pensamento de maneira incisiva com os precisos incisivos.
Dividiu o pensamento.
Pediu por amor.
Trovejou no céu um tambor carregado de ternura terrena.
Um pássaro bardo do signo de libra disse à lebre para librar o sentimento até livrar o medo e lavrar a promessa. Ela não entendeu. Ele beijou-a com seu bico, sutil como a lembrança de algo que não aconteceu. Ela pediu uma música. O pássaro fez melhor. Construiu um ninho em uma das grandes orelhas e a lebre não mais librava, afirmava com a convicção dos pinheiros que as nuvens eram solidárias com as equações de primeiro grau, quando puras como as emoções de primeiro grau.
Dividiu o medo entre trilados e trovões.
Cada orelha um destino.
Desfez a teia, seguiu caminho.

Tiago André Vargas

04.05.2014


Imagem de Seth Fitts.



2 comentários:

  1. Levou meus pensamentos para uma dimensão que jamais pensava em existir....

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    1. Esta dimensão é bela, Itala, assim como o seu comentário. Fiquei feliz em lê-lo.

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