Ontem
terminei de ler O Retrato de Dorian Gray (Editora Abril, 1973). Romance do irlandês
Oscar Wilde, escrito em 1891, um clássico que versa sobre a juventude, o
escorrer do tempo e as mãos atadas aos desejos. A seguinte passagem me marcou, muito. Breve transcrição para enganar
o tempo:
(...)
Por isso, começou por dissecar a si mesmo e acabou dissecando os outros. A vida
humana parecia-lhe a única coisa digna de investigação. Em comparação com ela, tudo o mais nenhum
valor oferecia. Verdade é que todo aquele que observa a vida, em seu estranho
crisol de dor e prazer, não podia usar a máscara de vidro no rosto, nem impedir
que os vapores sulforosos lhe perturbassem o cérebro e turvassem a imaginação
com monstruosas fantasias e sonhos informes. Havia venenos tão sutis que, para
conhecer-lhes as propriedades, fazia-se mister experimentar seus efeitos em si
mesmo. E enfermidades tão estranhas que era preciso tê-las sofrido, para
compreender-lhes a natureza. E, contudo, que grande recompensa se recebia! Em
que maravilha se transformava o mundo inteiro! Anotar a curiosa e violenta
lógica da paixão, e a vida emocional e colorida da inteligência, observar onde
se encontram e onde se separam, em que ponto se harmonizam e em que pontos
discordam – que deleite havia nisto! Que importava o preço? Nunca saía caro
demais o preço de semelhante sensação.
Tinha
consciência – e, ao pensar nisso, os seus olhos de ágata escura cintilavam – de
que, devido a certas palavras suas, palavras musicais pronunciadas
melodiosamente, a alma de Dorian Gray inclinara-se para aquela moça pura,
caindo em adoração diante dela. O adolescente era, em grande parte, sua própria
criação. Tornara-o precoce. O que já era alguma coisa. As criaturas vulgares
esperam que a vida lhes manifeste os seus segredos, mas à minoria, aos eleitos,
são-lhes revelados os seus mistérios antes de cair o véu. Às vezes, isto se dá
por efeito da arte, e principalmente da arte literária, que se relaciona
diretamente com as paixões e a inteligência. Mas, de vez em quando, uma personalidade
complexa substituía e ocupava o ofício da arte; chegava a ser realmente, a seu
modo, uma verdadeira obra de arte, pois a Vida, tal como a poesia, a escultura
ou a pintura, produz as suas obras-primas.
Sim,
o adolescente era precoce. Fazia a sua colheita, apesar de estar ainda na
primavera. Possuía o impulso e a paixão da juventude, mas começava a ter
consciência de si mesmo. Era delicioso observá-lo. Com o seu belo rosto e sua
bela alma, era algo de maravilhoso. Pouco lhe importava o fim de tudo aquilo,
se é que tinha um fim. Ele era como uma dessas graciosas figuras num cerimonial
ou numa peça de teatro, cujas alegrias nos parecem remotas, mas cujas dores nos
abrem os sentidos para a beleza, e cujas chagas parecem rosas vermelhas.
(...)
02.11.2015
Textos Não Tetos
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