Vou
dizer que é assim mesmo, enquanto palito os dentes e arroto uma andorinha. Na
gastronomia, há de se saber, só comemos quem não finge ser livre. Se frango
soubesse voar, não comeríamos frango. Se porco soubesse voar, não… ah, você
entendeu, não preciso dar três exemplos, isso não é uma piada. VÁ PARA O
INFERNO, HUMORISTA. Dá trabalho o cultivo dos livres, essa é a verdade. Sempre
fica uma carninha no beco dos molares, é gostoso enfiar o palito lá no fundo,
sangrar a gengiva, uma chupadinha não seminal, semi-essencial, há quem diga que
se pode beber 2 litros de sangue antes de enjoar. O lado sombrio é úmido
e mofa com a força dos segundos a nossa quintessência. Vou dizer que é assim
mesmo, queremos tanto ser limpos que sangramos despercebidamente, na falta de um
sentimento mais sincero, é bom sentir nossa segundessência escorrer. JAMÓN. POLLO. Enfia mostarda nessa merda. Não, espera, é maionese. São dois amantes que
apertam saches de maionese sobre peitos de frango. É isso que é, sabe. Dois frangos
amantes foram mortos e seus peitos assados para dois homens enamorados os
comerem enquanto falam sobre a possibilidade do Nacional avançar na
Libertadores da América. Sabe, na Europa eles têm a Liga dos Campeões. Nós
temos a Libertadores. Eles já são vencedores, nós ainda procuramos alguma
liberdade. As palavras dizem muito, principalmente quando querem dizer outra
coisa. Se dois homens podem falar sobre futebol na maturidade da tarde devem
possuir alguma liberdade, por isso comem os frangos, que não possuem nem a liga
dos que são campeões nem a liga dos que querem ser livres, nem colocam maionese
sobre seus milhos, nem voam, nem amam. Fomos educados para pensar a
individualidade, nunca a estrutura, por isso, se o frango é morto sem nunca ter
“vivido a vida”, sem nunca ter “encontrado algo para amar e morrer para”,
logo queremos chamá-lo de filhos das putas, no plural mesmo, e arranque de uma
vez seus coraçõezinhos e meta-os no espeto. Os homens partem, deixam seus
lanches pela metade sobre a mesa. Esbanjar é o jeito borbulhante de ser livre.
OS PÁSSAROS VÊEM E COMEM OS PEITOS DOS FRANGOS. Se sabiam que eram frangos?
Claro que sabiam. Comiam com gosto, com aquele sabor imperial que escorre bico adentro, degustando a maciez da carne nascida para ser cortada. Está tudo
escrito nas estrelas, se tivesse feito astronomia ao invés de Wizard você
saberia. “Sabe, é muito bom comer frango”. Disse o pássaro number one. “Sim,
frangotes preguiçosos, burros, que não sabem voar”. Disse o pássaro number two.
“Tic, tic, tic”. Bicou o pássaro number one. “Tá afim de ver a semifinal da
taça pássaros voadores da Oceania?”. Perguntou o pássaro number two. “Já era”. Disse
o pássaro number one.
The
birds were flying high, very high, when a bullet killed both.
“Nossa
King Number Five! Você matou os dois passarinhos com um tiro só!”. Susan
exclama. Seu silicone está em temperatura ambiente. Susan poderia ser a má musa
de uma boa música (artistas são tão degradantes e previsíveis, arranquem-lhes
os violões e absolutamente nada sobra). Deus pergunta: “Por que você matou os
bichinhos?”. King Number Five responde: “Melhor que comer o fraco é matar o
livre”. Todos que assistem o Killing Show
da vida batem palmas pela resposta de King Number Five. Deus desliga a
televisão e enfia os pés nas pantufas de um jeito cabreiro. Quando pensou em
fazer este filme, nunca imaginou que trabalharia com atores tão ruins.
“As
verdades são ilusões que esquecemos”. Eu disse para Deus.
Apêndice:
“Você
é bom, meu filho. Consegue ser vegetariano, adotar um gato e ficar em paz com
sua companheira?”. “Eu gosto muito de frango”. “Mas você é perfeito para o
papel que eu estou pensando”. “Eu não posso comer um frango vez por outra? Não
precisa ser todo o dia…”. “Não”. Deus é imperioso, percebe-se nas entrelinhas.
Nas estrelinhas também. Mas aí entra novamente a astrologia e… “Eu já não como
mais mamíferos”. “Não me enrola, é vegetariano. Ovo e leite eu até libero”.
“Não consigo”. “Porra. Vou ligar para o Emilio Echevarría então”. “Ele é
vegetariano?”. “Não sei. Mas eu gosto dele”. “Eu também. Em amores perros, foi divino”. Deus me
olhou com compaixão. Esse tipo de elo não acontece todo dia. “Tudo bem, tudo
bem. Mas é um frango por semana! Acho que consigo fazer de você uma estrela”.
Tiago André Vargas
02.07.16
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Fotografia tirada em um posto de gasolina em janeiro de 2016 em montevidéu. Pássaros terminam o lanche do casal que sentava ao lado. |