Joguei meus sapatos
para cima e eles incendiaram ao tocar a liberdade de um céu sem nuvens. Azul
sempre foi a cor do amor, sentimento aparafusado pela calmaria da água com a
destreza de um avô consertando um brinquedo querido.
Mas nem toda água é
azul. Eu sei disso por querer sentir como ontem.
Algum ontem.
Pés entremeados na
terra lamacenta, sujeira reciclável, dedos sujos rasgados por vidros limpos. É
necessário caminhar. Cheguei à margem do rio da minha vida. Contemplei-o da mesma
forma que havia feito outras vezes. – Vezes. Qualquer número multiplicado por
zero é igual a zero. Eu desenho o círculo perfeito. – Os mesmos tocos podres
sendo carregados pela água turva, a mesma ausência de peixes, deferência e
piano, o mesmo espelho lúgubre que delatava um monstro em tímido aproximar. Eu
espiava sabendo o que seria revelado. – Sou uma morte perfeita.
Olhei no outro lado
do rio e vi você.
Sua pele leitosa como
um exército de margaridas pós holocausto me deu nojo. Sorri como um lobo e lhe
disse que havia todas as respostas para suas perguntas ainda não formuladas no
leito do rio, permitindo que pequenos silvos por entre meus dentes afiados
escapassem elucidei que ter as respostas antes das perguntas era como colocar o
dedo antes de surgir a ferida. E todo toque é bom quando não há dor. Você
sorriu. Dois sextos do meu ser cogitou benquerer você, mas, não somos aquilo
que queremos ser.
Saltaste na água com
a força que eu desejava, projetei meu corpo logo em seguida.
Abri meus olhos e vi a
sujidade dançar em líquido palco turvo, braços e pernas sempre tão errantes
buscando algo, em nosso caso, profundo, pois somos feitos de lodo e não vamos
parar até tocar o fundo.
E no fundo estamos
amor.
Tudo é sujo e você é
branca.
Tudo é barro mas você
encanta.
Tuas vestes efêmeras
são como pétalas que com dois dedos se arranca. Te hipnotizo sem olhar, puxo
teu cabelo para trás, mastigo teu ombro no fundo do rio da sua vida.
E a cada segundo
respirar menos importa.
Se entregue amor, sei
como você gosta.
Abra sua boca e beba
dessa água turva enquanto dança em meus braços. Vire-se para gozar dentro da
minha íris, muito prazer, durante toda sua vida lhe esperei.
Sou sua morte sem
encontro marcado lhe forçando o prazer de um último viver.
E tudo a água irá levar.
Menos eu.
Saio do rio sem estar
molhado. Lá me aguardam novos calçados. É preciso caminhar e novamente assim o
faço.
Sem olhar para trás,
sequer para mim.
Um dia, você.
Tiago André
Vargas
12.10.2013
Pintura de Andrew Wyeth.
Oi Tiago, ao ler seus textos fico perturbado, porque são muitos sentidos que afloram. Há frases que permanecem incógnitas, outras eu decifro, e no final resquícios de sentimentos e emoções. Um grande abraço ao amigo escritor que com talento tece as palavras e sensações!
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