terça-feira, 15 de novembro de 2011

A declaração que Melinda não ouviu

Uma semana antes de seu casamento, Luan estava apavorado com futura perspectiva. De olhos escancarados fitando a escuridão não conseguia retirar um pensamento parasita que lhe sugava a paz de espírito: “Imagine acordar todos os dias olhando para o rosto da mesma pessoa”.
Desistindo da árdua batalha que estava sendo dormir levantou-se da cama vagarosamente para não acordar Melinda e ao invés de ligar a televisão, o que costumeiramente vinha fazendo nos últimos dias, decidiu direcionar-se para outro aparelho que tem a mesma capacidade de fazer o tempo passar-nos despercebido: O computador.
Digitou a frase pertinente em um site de busca e acabou se deparando com um blog, que continha o seguinte texto:

“Você abre o zíper do jeans surrado dela pela primeira vez. Suas dermes, epidermes, seus dentes e órgãos se agitam tais como a 5ª sinfonia. Não importa. Não ouse declarar seu amor posteriormente, isso tem nome e é vulgar, se chama amor de foda. Uma pífia declaração, tão ruim que chega a exaurir o frenesi do corpo ainda anestésico. Por quê? Bem, amor que nasce do sexo amor não é. É que amor é coisa orgulhosa, suprema, não pode surgir do melaço dos corpos suados atirados pelos cantos. O amor tem que vir de algum lugar desconhecido, fantástico, alguma coisa contida nas músicas de sucesso de qualquer banda pop que lota estádios. E se você não entende é porque você não sabe o que é amor. Eca.
Portanto o que sobra? As parvas declarações! Sim, aquelas proferidas pelo homem arrependido que deu o primeiro ramo de flores após colocar o primeiro galho de chifres na conjugue. Quem sabe os carros com som, tele-mensagens, artimanhas em restaurantes combinando tudo com o garçom, gorjeta de 5 reais para ele entregar um ursinho de pelúcia. Um porquinho de pelúcia. Um sapinho de pelúcia. Sim! Ela pensará, ele me ama! Estupidamente convencional, mas, quem sabe verdadeiro.
Agora as extraordinárias declarações de amor, bem, essas são as mais perigosas! Por exemplo aviões esquadrinhando seus nomes no céu ou qualquer outra coisa inimaginável e impessoal que possa ser obtida a alto custo. Casamento, talvez.
Acredito que as maiores declarações de amor são feitas para provar não a outrem o seu amor, mas a si próprio na tentativa de afugentar persistente insegurança ou quem sabe para outros em magnânima manifestação de arrogância, mas nunca para a pessoa declarada, pois todo ato fantástico contém uma dose de desespero/paixão e isso não é amor.
Me desculpem, amor para mim não tem vínculo com pelúcia, flores mortas em belos embrulhos, chocolates finos ou derivados. Na verdade, não tem vínculo com coisa alguma visto que declarações são uma coisa, sexo bom é outra e amor...
Amor simplesmente não se explica: Sente-se. Cada um à sua maneira com ou sem certeza de amor ter sentido.”



Mas que texto filho da puta, pensou.
Olhou para sua aliança, para seu rosto sonolento no reflexo do monitor desligado e após um momento voltou para cama.
Acordou sua mulher com um beijo e disse-lhe baixinho que a amava. Ela apenas abriu os olhos, esmiuçou um sorriso e fechou-os voltando para o sono cuja qual nunca deveria ter despertado.
Luan se manteve acordado. Tentou enquadrar sua declaração de amor em alguma das quais foram citadas naquele texto, mas não obteve sucesso.
Respirou fundo.
Naquele dia, não pôde dormir.
               Descobriu-se amando.

Autoria de Tiago André Vargas
(O blog citado no texto não existe, também foi escrito por mim)
Foto encontrada aqui.

2 comentários:

  1. Muito legal. Parabéns, é isso mesmo, concordo contigo! O amor de verdade não é aquele que precisa ser mostrado aos outros. A pessoa deve senti-lo, porque se ela amar de verdade, com toda certeza, o seu (ua) companheiro (a) terá conhecimento desse sentimento.

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  2. Concordo e assino embaixo. É um texto incrível.
    passarei por aqui mais vezes, o texto já me comoveu.
    *-*
    beijos
    boa quinta Tiago.
    sucesso!

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