quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Atalhos de concreto em deserto de filas líquidas

Então é isso.
Sem auto-sacrifício, sem amor e sem glória.
Demasiada arrogância em se julgar especial, o único floco de neve que pousou sobre o nariz de Deus. Não é assim?
Vejam: Existem duas filas.
Na primeira há uma legião enfileirada em suas melhores roupas transpirando como bebês febris na doce espera, a inefável oportunidade de provar-se especial.
Na segunda existem fantasmas turvos sem sorriso no rosto com belas formas, belos trejeitos, adornos que brilham, objetos que queimam. Tudo em perfeita indiferença.
Então inicia-se a dança. Acasalamento.
As duas filas caminham, encontram-se, misturam-se. Como exércitos inimigos em luta corporal.
O resultado disto, como de quase todo atrito, é dor. Lágrimas frustradas por não ser o floco de neve especial que pousou sobre o nariz de Deus. Lágrimas por não encontrar o floco de neve especial que pousou sobre o nariz de Deus. E a consolação é o toque vazio, a união dos corpos em joguete de sedução cinematográfico, combinado, tão casual quanto esbarrão em ônibus lotado.
Mas de tudo isto, desta dança mutilada com integrantes escolhidos a dedo no escuro, vez por outra, alguém se cansa de procurar por neve ao redor do magnífico vulcão chamado insatisfação e sai da roda.
Libertação da libertinagem? Foda-se todas bicicletas ergométricas do planeta. Sem ir para o fim da fila ou julgando-se excepcional o bastante para gozar de uma.
Alguns saem da roda levando consigo alguém, de mão dada, apertando-a bem forte... Não para evitar perdê-la no meio da multidão, pois união é permanência sem presilha, mas, no entanto, se segura aquela mão simplesmente pelo saber da existência de alguém ali. Alguém que também te percebe. Percebe o delírio?
Você aperta bem forte a mão de quem caminha contigo. Esta aperta a tua mão de volta.
Sempre.
Confusamente, talvez, passa-se a existir.

Autoria de Tiago André Vargas
Foto encontrada aqui.

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