-
Então você tem uma cafeteira?
É,
eu tenho uma cafeteira. Eu posso compreender o fato de ter uma cafeteira, mas
não o de um menino de 6 anos estar ao lado dela.
-
Quem é você?
Puxou
o fim do tecido da camiseta roxa esticando-o em plenitude, cabeça curvada
olhando curioso para ela como se fosse a própria pele. Ergueu a cabeça:
-
Sei lá.
Silêncio.
O silêncio estava bom, mas os jovens sempre voltam a falar:
-
Desde quando você toma café?
Sentei-me
na velha cadeira no regojizo de cruzar as pernas. Olhei para ele da mesma forma
que faria diante o último urso polar da via láctea.
-
Acho que desde o dia em que aprendi a vender meus sonhos.
-
Você vende sonhos?
-
O tempo todo.
-
Por quê?
-
Não há nada mais para se fazer com eles. Eu troco por silicone, polimentos,
cuecas de algodão e grãos de café. Quem sabe um ímã turístico de uma cidade que
nunca irei.
Ele
me olhava com grandes olhos, eram bocas de serpentes engolindo escuridão, ele
queria me dizer algo, ele iria me dizer algo, eu não queria ouvir algo, eu!
-
Eu compro sonhos.
Ele
tinha belos olhos, bela pele e uma larga camiseta roxa. Ele tinha 6 anos. Ele
comprava sonhos. Ele voltou a falar:
-
Eu comprei vários para você!
-
Para trocá-los por grãos de café?
-
NÃO! NÃO É PARA TROCÁ-LOS! É PARA MATÁ-LOS!
Mas
que menino do diabo! Odeio crianças gritando, da mesma forma que odeio ursos
polares que não conseguem procriar mais rápido que o aquecimento global!
Olhei
para ele. Senti minhas pernas cruzadas e balancei uma vez meu pé esquerdo. Seus
olhos eram negros, colossais, aumentavam a cada segundo. Joguei minha xícara de
café sobre o menino.
Ele
desapareceu.
Eu
gritei.
Espichei
ao máximo a minha camiseta e pude perceber que ela era roxa e o café sobre ela
queimava.
Eu
tinha um sonho. É triste saber disto pois não é o tipo de coisa que se pode esconder,
um sonho sempre é maior que você.
Eu
tinha um sonho. Eu tinha uma cafeteira. Eu tinha uma caneta esferográfica com a
tampa mordida. Eu tentei matar o meu sonho da única forma em que os sonhos
realmente morrem e se tornam nada mais que o próprio nada: Realizando-os.
Quanta
dor me assola o simples tentar. Mas o que faria então com meus sonhos ao invés
de torcê-los por prazer e dor? Trocá-los por cuecas de algodão? Poliéster?
Eu
tenho que tentar.
Bem
como o urso polar precisa tentar ao se equilibrar sobre o gelo que trinca.
Há
um gole de café, uma mordida de esperança, algum tipo de extinção que se
aproxima.
Sempre.
Autoria de Tiago André Vargas
Imagem de Tarsis da Cruz Passeto.
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