Depois
de andar com moscovitas, babar na barba de certo carioca de mente tristonha e
aguçada, quase adoçada pela poesia da vida, seria conveniente esquentar a minha
chaleira que não assovia e beber mais um chá de frutas silvestres que tanto se
assemelham a veneno de rato.
Minha
bebida, talvez. Não, eu já as tenho em demasia.
Desculpe
a inexatidão, mas eu não consigo beijar sem antes provocar um sorriso, ou no
mínimo, uma dúvida.
Sim,
música.
Um
pensamento me ocorreu agora, enquanto esfrego minha língua no lábio queimado,
recorde-se, minha chaleira não assovia e eu não escuto, tampouco atento, sempre
viro os resquícios não evaporados na xícara que queimam para valer.
Como
um beijo sem sorriso.
Ou
uma música desperdiçada.
Voltando
ao pensamento: A arte se gasta? Desgasta? Evapora?
Sim.
Exatamente
sim. Uniforme ao nosso estado de espírito. Da mesma forma que você agora desgosta o sorvete de morango, desiste de tocar piano, desaprende a chorar sozinho sobre
quatorze polegadas, concebe seu amor como algo findado em estado vegetativo.
Então
você a beija de maneira botânica.
Com
delicadeza, suavidade e antipatia. Uma bela música toca, é verdade, mas
é um belo som desperdiçado. Um amor silencioso que precisa de uma trilha e
assim, tornar-se-á um amor suportável, corrijo-me, suportável.
Eu
conheci alguém que me fez querer beijá-la entre gritos suaves e graves sorrisos.
Com
música e sem música, mas, com música.
De
olhos fechados, talvez girando alguns quartos, com o coração ribombado por ela,
pelo sonido, pelos afagos e principalmente, pelo sentimento que transcendia as
paredes do meu corpo e os olhos das sentinelas do tempo.
Eu
percebi que precisava beijar aquela mulher ao som de todas as músicas e de
maneira metódica, gênero a gênero, banda a banda, disco a disco, música a música.
Genuinamente incentivava os compositores a beberem café, chás de rato, mas não
cocaína, precisava de produção! Queria mais músicas, necessitava de mais músicas
para beijar aquela mulher, entre um sonho musical e labioso as três da
madrugada me amedrontava a possibilidade de findarem-se todas as músicas e necessitar-iria
beijar aquela mulher em silêncio.
Talvez
sem música eu perdesse o encanto, ela o perdesse, eu me tornaria uma planta,
quem sabe ela.
Desperdiçado
o nosso amor. Corrijo-me, desperdiçado o nosso.
Seria
a completa ruína.
Haveria
mil quatrocentas e trinta e três músicas completamente destruídas pelo seu
fantasma cavalgando pelo tempo através do passado, enfiand0-se dentro dos
rádios e alto-falantes, putrefazendo qualquer melodia de amor que por eles
poderia ser influída.
Cala
a boca, você me disse.
Colocando
o indicador sobre o meu lábio queimado pelo chá beijou-me em silêncio.
Eu
fiquei em paz.
Havia ainda tantas
músicas, havia ainda você.
Autoria de Tiago André Vargas
Fotografia de Lea.
Incrível esse texto, desperta memórias muito profundas e traz à mente pensamentos e reflexões interessantíssimas. Parabéns mesmo, eu realmente gostei muito, a forma como você escreve, uma forma muito particular e que faz com que me prenda ao texto até mesmo quando a leitura termina, é o tipo de texto que fica na mente, não tem preço. Muito obrigada por compartilhar algo tão bom.
ResponderExcluirBeijos ;*
www.eraoutravezamor.blogspot.com
Mayra, fiquei cerca de quinze minutos pensando o que lhe responder. Obrigado, obviamente, de verdade. Mas não poderia ser somente isto. Quando eu escrevo algo assim, por razões e motivos que até mesmo desconheço e em contra partida percebo que alguém se sensibilizou a tal ponto com minhas palavras para expressar as suas palavras e me deixar por fim sem palavras, bem, isto é algo. Muito obrigado.
ExcluirQue texto lindo! Parabéns, querido, sempre surpreendendo com seus belos escritos!
ResponderExcluir