terça-feira, 25 de junho de 2013

Supernatural

Nota: No dia posterior ao lançamento do meu livro, Mariposas no Útero, fiz a leitura de pequenos textos em uma simpática cafeteria, infelizmente já extinta, chamada Coaaffe. Foi quando li este texto "provocativo" chamado Supernatural. Algumas senhoras se atrapalharam com o manuseio de suas xícaras. Amigos riram sem jeito. Eu ri sem jeito. Diante de uma minúscula plateia desinteressada falar naturalidades de maneira natural não é exatamente natural.
Infelizmente, todos nós estamos no lugar errado.






Supernatural


Andronísio pensava sobre.

Era difícil encontrar algo que não fosse natural.
Real, natural, pleonasmo.
Se aconteceu, naturalmente ocorreu, mesmo que impingido ou estuprado. Fora feito de forma natural pela evidência do real. E a violência sórdida ou a singela solitude mórbida são reais, tanto, que você pode senti-las a qualquer hora da noite, apenas cole um ouvido na fria sujeira das calçadas em banho álgido. Um tremor nos ossos. Naturalmente natural. Você pode escutar algo?

Mas o que ela queria dizer com o seu supernatural?
Andronísio não gostava da palavra super. Era americano e infantil. Falso. Desnecessário.
Como uma criança californiana abrindo seu presente de aniversário; um boneco plástico do superhomem.
Superlegal.
E não o bastante, esta palavra sempre está grudada em outra. Nada é apenas super, pois o nada é sincero demais para ser supernada. E é sem hífen mesmo, indistinta, parasita, mas uma só.
Algo como supernatural.
E talvez fosse exatamente isto que ela queria dizer.
Todas às vezes que sua psicóloga relatava seu comportamento sendo supernatural, ele sabia que não o era. Como quando urinou sobre o próprio cabelo, ou quando mordeu a perna do seu cachorro querendo brincar com ele em pé de igualdade.
Mãe, não se preocupe, é supernatural na idade dele.
No auge dos seus 13 anos de massa, nos seus 5 ou 7 psíquicos, a única coisa que Andronísio sabia ser realmente natural naquela psicóloga eram os seus seios. Curvilíneos e pontiagudos, univitelinos, irmãos despreocupados em constante amparo e escombro, bastando um leve cruzar de braços ao seu redor para que se tocassem glorificantes, selados, como dois carros colididos que não podem se afastar.

- Doutora, eu me masturbo 6 vezes por dia pensando nos seios da senhora.
- Andronísio, é supernatural na tua idade.

Quanta decepção.
Seus seios agora estavam pintados com as cores estadunidenses, envoltos de sacos bolhas, duas bexigas bem enchidas sem motivos e tão difíceis de estourar.
Não conseguiu fazer novamente.
E talvez fosse isso que aquela psicóloga quisesse.
Flácido diante seus seios europeus, pudico e metódico, cuidadoso com os respingos dourados para que não atingissem a tampa do vaso, fazendo carinho no cachorro de longe, lavando a mão depois.
Lavando as mãos de maneira supernatural.
Se tornando alguém supernatural.
O que em um mundo supernatural é muito natural.
O super deveria ser enfiado no ânus, da mesma maneira que uma criança de 2 anos faz com uma pilha alcalina. De maneira natural. Super é aceitação. Seperaceitação. É despreocupado entendimento, um confessionário sobre as nuvens, a infração de um jogo sem regras.

Permaneça orgânico em silêncio.
Supernatural por sobrevivência.
Supersobrevivência.
Mas cultive algo natural. Um olhar, um sorriso, um regar de plantas na quarta de manhã, pois os discursos e os seios estão perdidos entre as páginas de um livro didático que acompanha um cd de áudio riscado.
Dicas para uma prova que nunca iremos fazer.

Prove.

Tiago André Vargas


Imagem de Ash Dawn.

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