domingo, 8 de setembro de 2013

Muxoxo de abelha faz quiçá na boca de menina uma flor




Gosto dos meus olhos próximos do espelho, o olho que vê também é o visto, um vislumbre aproximado como se a janela estivesse a dar vista para a janela. Algo retórico, algo narciso. Belo também pela quietude. Moça nova como eu, com peles e cheiros de macieira que se arrasta como abelha é bonita até gritando. Mas quietinha, miudinha, ponta do pé e o vestido de linha batendo na canela fina enquanto me olho no olhar do espelho, isso é arrebate. E painho já esfrega a braguilha como se tivesse uma coceira de sangrar, no entanto é seu sangue de vespa misturado com a indecência de amar, amar do seu jeito que também é jeito de adorar nas curvas de um tomar e domar.
Me cheira o cangote. O grande nariz percorrendo a extensão do pescoço enquanto suas mãos, aranhas tecelãs, fazem caminhos místicos e circulares nas minhas coxas.
Dou-lhe um tapa com toda força na cara. Como cabrita ainda finco meu pé de unha lisa na sua barriga.
- Tome tento, menino que prova do bolo antes da hora depois chupa o dedo.
Seu sangue ficou ainda mais agitado: era vespa que tomou tapa e agora só quer furar, porém o corpo de asinino se pôs a trotar para a sala aguardar o mimo.
Aquele corpo era meu domínio, bem como seus sonhos vagos entre conchas. Suas orações eram minhas, as preces agradecidas de me ter ao seu lado. Sabia que era muita mulher para ele, mas até este pensamento me aprazia. No futuro, quiçá. Agora inclinava a cabeça apertando contra os lábios amoras frescas, um batom da cor chupar lamber morder e fincar o medo da validez da vida num beijo tão tropical quanto água quente deslizando em folha de bananeira. Que cores homem? Nua me deito numa paleta e ali está o que você precisa ver sem saber distinguir. Cores…
Com o dedo alinho o escorrer do suco da amora sobre meus lábios dando-os um tom púrpuro enegrecido. Pareço puta, sinto-me rainha. Saio do banheiro altiva, atravesso os cômodos e de maneira cômoda monto em painho, tão obediente e adulador estava aquele homenzarrão que não contive o impulso de dar um pulo até a cozinha retornando com um pote de mel nas mãos.
- Onde eu colocar o mel você chupa, sim?
Ele balançou a cabeça de uma maneira prevista. Fiquei entristecida, queria ouvir algo diferente. De raiva, ordenei que ficasse nu. Depois, que colocasse para tocar o disco do Zé Ramalho, o primeiro gravado em 78. Música 2. Assisti seu corpo animal fazer aqueles movimentos tão domésticos, havia uma discrepância na rudez dos músculos coma a fineza da agulha. O som aflorou. No segundo momento o coro.
Chamei sua atenção.
Mergulhei o dedo no mel e depois o coloquei inteiro na vagina, não havia mais muito tempo a perder, tinha que ensinar algo para aquele bruto e o sexo é terciário em contraponto à descoberta. Devoto, esforçado, espichava a língua em plena extensão na tentativa de extrair todo mel já difuso com meus sucos de menina. Assistia um pouco indiferente ao evento, um quarto de prazer com três de comédia. Mergulhei novamente o dedo e passei o mel no seu joelho. Ele olhou ressabiado, por fim, acatou lambendo a si próprio. Enfiei a mão no pote e untei seu braço forte com mel. Corri para o espelho e virei todo mel no vidro mágico. Voltei para meu homem e puxando-o pelos cabelos lhe mostrei o espelho dourado e umbrático, determinei que antes lambesse todo mel que havia em seu corpo e que depois, ao chegar no mel que deslizava no reflexo, o limpasse de olhos bem abertos.
Queria que assim ele também pudesse ver seu olho de perto.
Olhasse para si.
Aquele homem precisava olhar para si e eu, eu precisava partir.
Quiçá acabou sendo já.
Voltei a agulha da faixa só para ouvir:

“… Que nas torturas toda carne se trai. Que normalmente, comumente, fatalmente, felizmente, displicentemente o nervo se contrai. Oh, com precisão!…”

Saí pela porta.
O vento tímido queria tirar meu vestido para dançar.
Meus lábios intactos era pecado na minha religião e, para não violar, peguei um vira-lata no colo e o beijei como irmão.
Uma abelha me seguia, talvez me quisesse como flor mas eu precisava encontrar algo que me despertasse a vontade de buscar outra.
Outra o quê?
Outra busca.
Agora sou amora na demora, oxigênio de uma tarde sem promessa, sorriso com dentes manchados pela fruta, manchados de uma incompreendida gratidão.
Tanto faz.
Gosto mesmo é de passar quiçá nos lábios para desabotoar o teu destino.
Esse, é o meu destino.

Tiago André Vargas


Pintura de René Magritte.

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