Gosto dos meus olhos
próximos do espelho, o olho que vê também é o visto, um vislumbre aproximado
como se a janela estivesse a dar vista para a janela. Algo retórico, algo narciso.
Belo também pela quietude. Moça nova como eu, com peles e cheiros de macieira
que se arrasta como abelha é bonita até gritando. Mas quietinha, miudinha,
ponta do pé e o vestido de linha batendo na canela fina enquanto me olho no
olhar do espelho, isso é arrebate. E painho já esfrega a braguilha como se
tivesse uma coceira de sangrar, no entanto é seu sangue de vespa misturado com
a indecência de amar, amar do seu jeito que também é jeito de adorar nas curvas
de um tomar e domar.
Me cheira o cangote.
O grande nariz percorrendo a extensão do pescoço enquanto suas mãos, aranhas tecelãs,
fazem caminhos místicos e circulares nas minhas coxas.
Dou-lhe um tapa com
toda força na cara. Como cabrita ainda finco meu pé de unha lisa na sua
barriga.
- Tome tento, menino
que prova do bolo antes da hora depois chupa o dedo.
Seu sangue ficou
ainda mais agitado: era vespa que tomou tapa e agora só quer furar, porém o
corpo de asinino se pôs a trotar para a sala aguardar o mimo.
Aquele corpo era meu
domínio, bem como seus sonhos vagos entre conchas. Suas orações eram minhas, as
preces agradecidas de me ter ao seu lado. Sabia que era muita mulher para ele,
mas até este pensamento me aprazia. No futuro, quiçá. Agora inclinava a cabeça
apertando contra os lábios amoras frescas, um batom da cor chupar lamber morder
e fincar o medo da validez da vida num beijo tão tropical quanto água quente
deslizando em folha de bananeira. Que cores homem? Nua me deito numa paleta e
ali está o que você precisa ver sem saber distinguir. Cores…
Com o dedo alinho o
escorrer do suco da amora sobre meus lábios dando-os um tom púrpuro enegrecido.
Pareço puta, sinto-me rainha. Saio do banheiro altiva, atravesso os cômodos e de
maneira cômoda monto em painho, tão
obediente e adulador estava aquele homenzarrão que não contive o impulso de dar
um pulo até a cozinha retornando com um pote de mel nas mãos.
- Onde eu colocar o
mel você chupa, sim?
Ele balançou a cabeça
de uma maneira prevista. Fiquei entristecida, queria ouvir algo diferente. De
raiva, ordenei que ficasse nu. Depois, que colocasse para tocar o disco do Zé
Ramalho, o primeiro gravado em 78. Música 2. Assisti seu corpo animal fazer
aqueles movimentos tão domésticos, havia uma discrepância na rudez dos músculos
coma a fineza da agulha. O som aflorou. No segundo momento o coro.
Chamei sua atenção.
Mergulhei o dedo no
mel e depois o coloquei inteiro na vagina, não havia mais muito tempo a perder,
tinha que ensinar algo para aquele bruto e o sexo é terciário em contraponto à
descoberta. Devoto, esforçado, espichava a língua em plena extensão na
tentativa de extrair todo mel já difuso com meus sucos de menina. Assistia um
pouco indiferente ao evento, um quarto de prazer com três de comédia. Mergulhei
novamente o dedo e passei o mel no seu joelho. Ele olhou ressabiado, por fim,
acatou lambendo a si próprio. Enfiei a mão no pote e untei seu braço forte com
mel. Corri para o espelho e virei todo mel no vidro mágico. Voltei para meu
homem e puxando-o pelos cabelos lhe mostrei o espelho dourado e umbrático, determinei
que antes lambesse todo mel que havia em seu corpo e que depois, ao chegar no
mel que deslizava no reflexo, o limpasse de olhos bem abertos.
Queria que assim ele também
pudesse ver seu olho de perto.
Olhasse para si.
Aquele homem
precisava olhar para si e eu, eu precisava partir.
Quiçá acabou sendo já.
Voltei a agulha da
faixa só para ouvir:
“… Que nas torturas toda carne se trai. Que
normalmente, comumente, fatalmente, felizmente, displicentemente o nervo
se contrai. Oh, com precisão!…”
Saí pela porta.
O vento tímido queria
tirar meu vestido para dançar.
Meus lábios intactos era
pecado na minha religião e, para não violar, peguei um vira-lata no colo e o
beijei como irmão.
Uma abelha me seguia,
talvez me quisesse como flor mas eu precisava encontrar algo que me despertasse
a vontade de buscar outra.
Outra o quê?
Outra busca.
Agora sou amora na
demora, oxigênio de uma tarde sem promessa, sorriso com dentes manchados pela
fruta, manchados de uma incompreendida gratidão.
Tanto faz.
Gosto mesmo é de passar
quiçá nos lábios para desabotoar o teu destino.
Esse, é o meu destino.
Tiago André Vargas
Pintura de René Magritte.
Ufa... ah... um texto provocante, provoca o sexo... tem mistério...
ResponderExcluirUfa... ah... um texto provocante, provoca o sexo... tem mistério...
ResponderExcluirMuito bom !!
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