quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Au, au e estamos conversados – Marcelo Mirisola



Passagem do conto “Qual o Mal de a Mina?”, do livro Fátima Fez os Pés para Mostrar na Choperia (Editora Estação Liberdade, 1998), do autor Marcelo Mirisola:

(...)
Hoje é a palavra pela palavra. A solidão da coisa feita. Ou a indisposição de frequentar o casamento dos amigos. Eu lhe digo, embora não tenha nada a ver com esta viadagem de dizer “porque eu sou um artista e coisa e tal”, eu lhe digo a mesma coisa que eu disse para a armeniazinha do Bom Retiro, sabe, meu amor, quem faz arte como eu serve a morte; morre várias vezes ao invés de viver uma vidinha de armarinhos; daí vem a demagogia e a comparação que eu sempre faço nesses casos: “que nem cachorro”, sabe? Sem frescuras do tipo “Bom dia, como está?” Cheirando logo o cu da rapaziada. Se Michelangelo, para falar de um cara que todo mundo conhece, vivesse hoje e pudesse escolher, cheirava o cu da rapaziada e vice-versa. Au, au e estamos conversados. Depois ele iria cuidar de Davi e de Moisés. Que, bem verdade, são exemplos latentes, primeiro Moisés e depois Davi, da solidão da coisa feita.
(...)
Agora é para você, meu amor.
Sou capaz de matar por uma guimba manchada de batom. De ser um santo, quer dizer, o que eu tenho vontade mesmo é de ser garçom. De verdade mesmo eu tenho vontade é de cobri-la na porrada, de quebrar a sua cara e falar algumas coisas que você não vai compreender. Também dar uma volta de pedalinho no Lago Lundoya, minha branquela, e depois comprar uma maçã do amor para nós dois e mais um sorvete de flocos para mim. Pegar na sua mão e dizer que amo você.

17.12.2015


Fotografia de Jonatan Mattsson.

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