domingo, 24 de dezembro de 2017

Fantasmático




Quando eu morri
Meu neto escreveu um livro
E descreveu nele minhas mãos
Como grandes aranhas albinas
Sua juventude temia minhas mãos brancas
Os dedos truncados de enxada
Enxofre
E todos os êxodos que nunca me permiti
Mas agora que estou morto
Ele sente minha falta
E a dor faz com que não tenha mais medo
Das aranhas albinas
Negras
Pardas
E eu também sinto sua falta
E do mesmo jeito que ele nunca me disse
Que minhas mãos pareciam aranhas brancas
Eu nunca lhe disse que a luta é inevitável
E a dor tem oito patas
A tecer coisas belas
Que nem sempre viram pedras
Enquanto durar o sol da manhã
A brilhar nos nossos oito olhos
Como um lago muito fundo
Que eu mergulhei só um pé
Teu pé é branco, Tiago
Mas teu coração, não
O teu sangue dói e pinta as pedras do rio
Mas também é a teia
Que junta a ti
Agonia de pontes finas
Cordões de fendas
E coisas belas
E pequenas
Que quando vibram
Você corre veloz
Elas devem ser protegidas
Se possível vivas
Nós dois sabemos que
Quando acabar o sol da manhã
A noite denunciará esta brancura
De que nunca conseguimos nos ver livres

José Villa Vargas
24.12.2017



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