segunda-feira, 13 de junho de 2011

Dentes de leite


 
Vida, vida, vida.
Eu usei palavras ruins para descrever o cotidiano, depois apaguei-as. Notei que ele descreve-se sozinho e além do mais, mesmo que a sopa esteja realmente fria, ainda restam palavras para escrevermos algo na beira do prato.
Portanto não vamos falar dos conselhos. Muito menos das sentenças. E principalmente das disputas por pena, definitivamente, não das batalhas para ver qual unha está mais encravada e ter como prêmio um queixar-se a vontade.
Quem sabe algo mais puro para iluminar todos corações aflitos neste junho de pouca saliva, enquanto algum garoto que escreve uma carta de amor será baleado por algum garoto que encontrou uma arma no armário do pai. Mas mesmo que existam armas, ainda existe água para sair de seus canos no desfecho épico pouco cômico de um desenho antigo que não vemos mais.
Mas solte a música que eu quero dançar. Neste mesmo lugar onde ninguém dança e ninguém da à mínima para quem dança. Nem para nada, na verdade. Falo daquela garota! Daquela menina, puxa vida, descobri-me fã dela, no sentido mais verdadeiro possível. A propósito, quantos anos teria minha heroína que dança sozinha olhando para os próprios pés como se estivesse no salão de algum palácio enquanto sua mãe passa o leite no caixa do supermercado? Idade suficiente para ser ela mesma, pensei.
Ela dança como se estivesse em algum tipo de transe, sua mãe ficaria preocupada se a visse dançando assim anos mais tardes, principalmente com Ramones ao fundo... Mas... Que mal tem? Deixe a menina dançar, deixe ela esbarrar nas pessoas que erguem suas sacolas com lasanha congelada para não bater nela, deixe ela dar aquele passo engraçado com a perna para trás enquanto o senhor de cara feia para seu carrinho cheio de vinho preocupado que ela quebre algo.
Aquela é uma abençoada garota com dentes de leite que acabou de cair tonta de tanto girar enquanto sua mãe lhe ergue constrangida dos olhares reprovadores dos compradores de pão, queijo e presunto. Talvez a mãe gritasse com ela, mais para demonstrar as pessoas ali presentes que ela lhe dava algum tipo de “educação” através da reprovação, mas por Deus, a nossa heroína sorriu e podemos ver a falta de ambos incisivos em um sorriso moleque de quem girou tanto que caiu de bunda no chão do mercado. A mãe somente a ergueu, sorrindo também e assim a heroína se foi.
Talvez devêssemos perder uns dentes de vez em quando também.


Autoria de Tiago André Vargas
Foto encontrada aqui.

Um comentário:

Featured Post

Refri de laranja para quem tem sede de sonhos e outras epifanias que cabem numa fritadeira

“Algumas pessoas só conseguem dormir com algum peso sobre o corpo, eu era assim”. Foi o que eu escutei enquanto adormecia na rodoviá...