segunda-feira, 18 de julho de 2011

Ó vida, fruta podre



Infância.
Caminha ao lado do celeiro o menino de roupa velha com remendo em um joelho. Caminha o menino, chutando pequenas pedras que surgem em seu caminho, fantasiando gols marcados em campeonatos que nunca existirão. Caminha sozinho o menino a espelho da própria humanidade.
Solitário, desleixado, suas roupas em berrante desarmonia. Seu coração calmo como um aquário sem peixes. Assim caminha o menino, assim o pensa que faz. Limita-se a erguer o braço e tocar com a mão a grade do celeiro enquanto passa, produzindo algum som impreciso que aos seus ouvidos era belo.
A grade acabou, a mão no ar pairou e o silêncio se fez. Silêncio confuso que brotava no seu dedo anestesiado.
Caminhou mais um pouco e distraído quase pisou em uma fruta. Uma fruta podre. Uma fruta podre como a vida.

A vida não é lânguida como uma fruta madura, nem repulsiva como a fruta verde. A vida é uma fruta podre. Uma laranja em meio ao capim alto revelando seu brilhante amarelo. Você a pega do solo, gira entre os dedos e percebe do outro lado seu bolor azulado. Do que adianta sua beleza se está podre não é mesmo? Bem, é preciso ter fome.
É preciso ter fome de viver para colocar os dentes um pouco antes à casca mofada e abocanhar tudo que nela há de bom. Fome o suficiente para fazer seu corpo tremer.

O garoto olha para a laranja, nota que está no chão e passa por ela.
Sem fome você passa pela vida. Um pé após o outro. Passou.


Autoria de Tiago André Vargas

Foto encontrada aqui.

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