domingo, 4 de setembro de 2011

Estar-se na fossa



Saí com uma pá velha apoiada sobre o ombro enquanto a lua tentava inutilmente refletir sua imagem na haste, mas esta estava levemente forrada de cimento ainda de seu último laboro... 20 ou 30 anos atrás.
O que faz um homem sair por campos soturnos na calada da noite acompanhado de uma pá?
Bem, as palavras são o que dizem.
Você tinha que ter os lábios tão espessos? Os abraços tão cálidos? O sorriso tão afável? Sim, você tinha. Nossa história haveria de correr tão estúpida e banal subjugando um ao outro e principalmente a nós próprios? Essa pergunta, tão prolixa quanto fingir-se mascando chicle, eu não consigo responder.
Mas não tento entender. Estou com a pá sobre os ombros.
Então, não conseguindo compreender, resolver, praticar o desapego e por fim, constando que todo meu modesto estoque de entorpecentes legalizados estava acabado, me senti desamparado. Sem nem a leal companhia de um copo. Foi quando me percebi na fossa.
Cansado de fazer caretas com a boca para conter um choro que parecia eminente, resolvi entreter a minha mente com qualquer coisa. Trabalho braçal haveria de ajudar. Mexer o corpo, desligar o cérebro e mandar endorfina.
Poucas atividades me vieram e aquela coisa de estar Na fossa parecia insistir em permanecer em meus pensamentos. Então, compilando ambas, cheguei onde estou agora. Dentro de um pequeno bosque em minha propriedade olhando para uma terra escura.
Cavei meu amigo. Finquei aquela pá como se estivesse a cravá-la em todos os meus erros, arranquei-os dali e depois os joguei para trás. Percebi então que eles não eram poucos... Verifiquei por fim que eles eram inúmeros e quando finalmente cheguei ao final daquela excursão reflexiva constatei que o buraco estava extremamente fundo, maior que uma cova, quem sabe o quanto fiquei ali a cavar e bem na verdade, pouco importava.
Minha fossa estava pronta.
Então você, perspicaz amigo, indagará que uma fossa impreterivelmente precisa ter merda. Sim, estás certo, afinal de contas é isso que a torna uma fossa.
Esta problemática assolou minha mente por um momento, então sorrindo a resolvi como um aluno destro: Entrei em minha fossa. Completei-a. Através de mim lhe trouxe a essência.
Olhando para a lua dentro daquele buraco fiz com que todas as minhas lembranças, todos os meus erros, todas as minhas mágoas inaproveitáveis, fétidas e inescrupulosas trepassem com minha impotência diante de um passado sem volta e de um presente de merda.
Não resolvi nada.
Não mudei coisa alguma. 
Mas por um momento compreendi o que era estar em uma fossa.


Autoria de Tiago André Vargas

 
 Foto encontrada aqui.

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