segunda-feira, 21 de maio de 2012

Foto dobrada


Respirou fundo
Embriagou-se com aroma de gasolina
Sentiu fome
Direcionou-se a pastelaria
Nenhum par de olhos o recepcionou
Sentou-se
Preocupou-se em ninguém olhar
Não queria ver rostos
Faces
Todas diferentes, mas, o que se faz com isso?
Abaixou a aba do boné e pediu um café preto
Sem açúcar
Detestava açúcar
Uma farsa doce bem-vinda
Preferia a verdade amarga
Sorriu de leve
Sabia que o próximo momento seria doce
Sincera docemente
E doce seria somente este até o final do dia
E doce seria somente este até o final da vida
Do bolso da camisa retirou uma fotografia
Havia o rosto de uma menina
Abraçando o sorriso de uma mulher
Mãe e filha
Palavras que não devem ser escritas sozinhas
E o pai?
Este aguarda pelo café
Que lhe recorda que a vida é amarga
Terminando avisa que deve ir para a lida
E logo segurando a bomba de gasolina
Saúda o cliente perguntando tão triste
Qualquer coisa a respeito do clima
Este nada fala
Nada se fala
O combustível termina
O motorista se vai
Carrega consigo o bom dia
Do homem dos maus dias
Que a cada abastecida leva a mão a camisa
E sente dobrada a fotografia
Bem como seu coração

Completa?

Pode completar.
Autoria de Tiago André Vargas
Fotografia de Eleanor Rigby.

Um comentário:

  1. Parece até que senti o aroma misturado do café com a gasolina.Aquele cenário de posto.Fui tentando compreender a história que se construia por cada versos acrescentado.Acho tão digno notar que uma pessoa que normalmente se camufla atrás do dia-a-dia,sendo apenas peça do cotidiano,tem algo além,um enredo,um enlace,um sentir.Um segredo ritualístico,guardado no bolso como uma fotografia,que serve como combústivel para a vida.

    ResponderExcluir

Featured Post

Refri de laranja para quem tem sede de sonhos e outras epifanias que cabem numa fritadeira

“Algumas pessoas só conseguem dormir com algum peso sobre o corpo, eu era assim”. Foi o que eu escutei enquanto adormecia na rodoviá...