segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Restar um pouco de você

Sentenciado por minhas autônomas dermes.
Preso pelas grades que eu mesmo busquei, armadura inabalável forjada diretamente sobre o corpo que jamais poderá ser tirada. Você é minha armadura. Me protege, me sufoca, me torna mais forte, mais lento. As estações mudam junto com as correntes sanguíneas, junto com o gosto da tua boca. Gasta. Sola de All-Star. E agora o que me resta é quebrar-te, inutilizando-a para a vida, incapaz de se adequar a outro corpo sofrerá por mim enquanto corro nu em um mundo de balas perdidas. Balas perdidas endereçadas para mim.
Entretanto, vai restar tanta coisa.
O beijo inclinado para não tocar na lente dos teus óculos.
A maneira como você enrola o espaguete. A maneira como você recrimina meu olhar enquanto come o espaguete.
Você esfregando polegar e indicador em uma folha juntada do chão.
O choro infantil dentro do meu ombro durante um drama pouco dramático. O cachorro não deveria morrer.
A comemoração por fazer a pedra quicar sobre a água. Três vezes.
A maneira como você pula. Seja em show, seja em vôlei, cama elástica, trampolim, não importa. O cabelo subindo tão alto quanto teu amor, tão simples quanto teus desejos. Você deveria se ver pulando um dia desses, minhas palavras não soariam tão estúpidas...
Vai restar os ossos do teu tornozelo rangendo para alcançar-me em um beijo.
Vai restar muito de você em pouco de mim. A voz rouca por ásperas lágrimas que calejam tal como gritos de histeria enquanto com dissimulada calmaria me perguntas por que tem que ser assim?
Por que tem que ser assim?
Manter-te viva e amar-te em sonhos vale algo?
Deixar-te fisicamente e imortalizar-te por toda minha mortalidade com ímpar perfeição, não seria melhor? Ou devo permanecer contigo pinchando teus defeitos sobre todos os murros brancos que vierem em nosso caminho?
Às vezes penso que gosto de você. Tanto. Tentado logo fico em deixar-te, apenas para provar que realmente era isso. E realmente, é isso.
Preciso te deixar para que algo teu reine sobre mim. Ninguém olha um quadro a um palmo. Admita que juntos somos algum tipo de mútua e zelada interferência.

Agora é minha vez.
Por que tem que ser assim? Não deixe restar nada de mim em você. Para quem já teve um peito a tremer, lembranças eternas são consolações frívolas.
Ou você me mata, ou você me eleva. Não finja que estou caída para poderes recordar-me. Eu sempre estarei de pé por você. Envolta de você. Tua armadura.

Foi o que ela disse.
Juntou-se a tudo dentro do nada que nunca restará.

Autoria de Tiago André Vargas
Foto encontrada aqui.

5 comentários:

  1. Muito Bom! Parabéns!

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  2. Tem que ser assim, senão perde a graça, amores fáceis, felicidades tão flexíveis não geram arte e menos ainda a poesia da vida.

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  3. Fantástico Tiago! Sem palavras para essa e outras postagens que andei lendo. Parabéns!
    Bjs
    Cris

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. E depois de tantas vezes, sempre é minha primeira vez com esta postagem.

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