sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Sintética sinestésica

Escrevi um poema sobre meus 20 e poucos anos
Terminei-o com tendinite ou coisa equiparada
Pareceu-me tê-lo escrito por 20 e poucos anos
Tocando três vezes qualquer música saraivada

O flagelo da mão se estendeu pelo corpo
Corri minhas costelas adornadas de medo
De um mundo adubo fora deporto
Direto à selva de plástico arvoredo

Como toda criança febril anseia pelo banho
Procurei maviosa água que arrastasse minha dor
Percorrendo o mato cheirando resina e estanho
Por fim deparando colossal cachoeira de isopor

Percepção tardia para alguém de 200 e poucos anos
Todo este mundo é uma bola sintética
Embrulhado em sacolas virais de cartesianos enganos
Provocando entorpecente calvície sinestésica

Disparei meus pés contra madeira morta
Entrei na morada de uma mulher bela
Abracei-a tanto que a larguei torta
Concebendo tristonha mentira que eras

Uma mulher de silicone
Com cabelo de boneca e olhos vidrados
Vívida como um xilofone
Incapaz de sentir a força dos meus braços

Toda mortuária industrial descolorida me deu fome
Abri a geladeira expecto de comida verde
Encontrei laranja artificial que não se come
E desespero por simples tudo que não sente

Olhei pela janela e os pássaros eram de brinquedo
Os duros cães de rua não passavam de fétida pelúcia
Voltavam da padaria esposas de cera derretidas pelo sol vermelho
Com seus vestidos abarrotados de quem perdeu mais que a fidúcia

Eu poderia esperar o mundo ser reciclado
Deus preguiçoso operário sem capacete
Sobrepondo plástico por vida, já cansado
Ao passo que me espeto com alfinete
Apenas para ver algo verdadeiro correr em filete

Porém não irei aguardar
Entrarei na minha caixa de presente
Marcada ao lado “Feita em solidão”
Apertarei em meu peito o botão desligar
Permitirei um último suspiro ausente
Diante inexprimível decepção
Decorrente da impossibilidade de amar
Algo que não mostre os dentes
E que não bata um coração

Autoria de Tiago André Vargas
27.01.2012
Fotografia de Yellowcandyfloss.

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