quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Torrente doméstica

Terças-feiras castanhas enfiadas entre um pão
Preso em masmorra sem tranca é solitude
Mata-se o tempo com pouca água e sabão
Cabeça oca insônia braba tristeza em plenitude

Ninguém me ilude
Exceto eu
O tempo alude
Obséquio teu

Nasci de pés trocados na área de serviço
Com os pulsos quebrados deitados na torneira
Aguardando simples e sorridente água fêmea
Capaz de lavar onisciência e liquidificar consciência
Desfazer-me por inteiro para provar que existo

Mas não tem água nem sabão
Só torneira quebrada, seca como um olhar
Não tem criança banguela segurando balão
Só camisa amassada que não posso lavar

Camisa velha com histórias desmemoriadas
Trapo sujo esfregado em corpos nus
Pedaço de pano cansado que não me diz nada
Só o desbotado sobre o braço a algo me conduz

Desodorizei-te com produto impróprio
Tirei-te nos momentos errados
Talvez tenha graça depois de doze tragos
Minha melhor piada contada em purgatório

Você não percebe que eu só quero teu sorriso?
Você brigando pela minha camisa manchada
Você cantando de vidro aberto e sol na estrada
Se tua língua não correr meus caminhos eu envernizo
Então me disfarço sobre alguma capa
Me afogo em torneira fechada
Morro olhando para o nada
Dou a volto ao mundo para reencontrar-me sobre próprio umbigo

A torneira estava quebrada
Mas fiz questão de fechá-la
Amigos?

Autoria de Tiago André Vargas
Fotografia de Piotr Ciesielski.

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