domingo, 19 de fevereiro de 2012

Que cara é essa?

Como se desse para escolher, certo?
Certo.

Escolhemos realmente nosso rosto, versões pragmáticas metodicamente estocadas em nosso acervo social. Versões. Modo feliz habilitado. Modo profissional habilitado. Ajeite sua gravata. Estufe o peito e seja varão.
Isso remete a um cotidiano diálogo.
Não gostamos de presenciar alguém triste, isso realmente incomoda, é um legítimo desrespeito a nossa felicidade a tristeza alheia. Então, quando alguém mais íntimo está triste por perto precisamos cutucá-lo largando um clássico: - Que cara é essa?
Bem, que cara é essa?
Quanto me agrada quando a pessoa responde: É a única que eu tenho. Sim, essa cara de rabo olhando para os pés pensando no infortúnio, nas frustrações ou quem sabe em nada, é a cara que eu tenho. Não é óbvio? Na verdade a própria pergunta é um disparate, seria mais honesto um simples aproximar dizendo: Muda essa cara. A vida é complicada, mas esse rosto não ajuda nada.
Já eu, pensando estes dias, notei que não tenho cara.
Meu inferno é o diabo perguntando quem sou eu.
Isso acontece porque eu não me acredito.
Quando eu falo alguma coisa engraçada numa mesa de bar, ou sorrio doutra contada por um colega de trabalho, eu fico pensando o quanto estou sendo eu mesmo. Sabe? E não tenho resposta.
Então vem a escrita e me contradigo, pois sabes que quando eu escrevo me torno algo que realmente acredito, mesmo quando escrevo algo que desacredito.
Quando eu escrevo, sei que selecionei uma parte de mim e que esta parte, mesmo inerente a minha pessoa, é a única coisa imutavelmente sincera que tenho a oferecer.
Como se estivesse a olhar um quadro refletindo imagem que não é minha, mas me sentindo exatamente como ela e um lapso mágico se cria onde indubitavelmente e somente assim digo: Sou eu.
Pois uma face somente é sincera quando sua feição é modelada por algo externo, um quadro, pôr do sol, eu te amo. Mas quando o contrário acontece, ou seja, nossa expressão tenta causar uma impressão em algo externo, bem, neste caso somos tão íntegros quanto um político de terno.

Autoria de Tiago André Vargas
Fotografia de Erin Fitzpatrick.

2 comentários:

  1. Fazia um tempo que não estava acompanhando seus textos por causa da minha atual falta de tempo mas esse realmente me surpreendeu. Você escreveu exatamente as coisas que eu penso! A não ser pela parte de que você se encontra quando escreve, porque esse é exatamente o motivo de eu não escrever. Sempre apago porque acho que não estou sendo suficientemente sincera, não estou mostrando quem realmente sou sabe?
    Enfim, escrevi um comentário absurdamente grande haha
    Seus textos estão ficando cada vez melhores! Vou voltar a ler sempre que tiver um tempinho :]
    Beijos Tiago!
    http://eraumavez-livros.blogspot.com.br/

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    Respostas
    1. Por coincidência acabei relendo este texto hoje Jessy. Teu comentário continua sendo muito tocante. Chamou-me a atenção que já se passaram dois anos desde então. Aquelas músicas falando que o tempo passa realmente são sinceras.

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