terça-feira, 5 de junho de 2012

Estacionamento


Havia um gato sobre uma árvore cortada miando para as estrelas. Ele parecia querer miar, repercutia seu som pelas janelas dos prédios, entreabertas como olhos de crianças que não dormem por não saberem como se faz. Ninguém sabe como se faz.
Aquele felino comprimia todo ar que lhe cabia para explodir agudo, o ar gélido carregava as estuantes melodias até os insensíveis ouvidos humanos que não diferem regalo de dor.
Merda de gato, diziam as velhas senhoras de espírito.
Gato de merda, diziam os adolescentes sebosos de ímpeto.
E todo o prédio em frente à árvore cortada, em frente à límpida calçada, se agonizava pelo vívido som emanado por um animal capaz de ser o que naturalmente lhe compete, mas, como ninguém entre blocos de concreto possui instinto, apenas martirizavam-se pelo infortúnio som que lhes acompanhava enquanto queimavam suas pizzas congeladas.
Um carro solitário no estacionamento do outro lado da rua.
- Está vendo ele?
- Quem? – Ela pediu, com aquele olhar tão compenetrado por trás dos vidros que haveria de carregar sempre consigo para perceber o supérfluo.
- Nosso profeta.
- O gato? – Ela sorriu, com aquele sorriso que erguia um quarto de centímetro a sua maçã do rosto e consequentemente os vidros que haveria de carregar consigo para poder...
- É. Ele subiu até lá por um motivo.
Silêncio. Adorável silêncio, do tipo que só se escuta em um estacionamento vazio dentro de um carro mal estacionado.
- Qual motivo?
Beijou-a. Entre miados abafados, apertos de mãos com pouco sangue tão díspares dos intumescidos lábios, diante de uma rua sem platéia, de uma calçada límpida sem propósito, de uma árvore cortada por estética e de um gato de merda que miava nada sórdido.
Deu a partida.
O estacionamento ficou vazio.
Vendo o carro passar diante seu felpudo corpo o gato calou-se, bem como músico que termina o repertório diante uma platéia descasa. Desceu da árvore, com a elegância que lhe era esperada e depois correu através do breu perdendo-se nas sombras da viela.
As janelas do prédio foram se fechando, tais como olhos de bebês que desistem de sonhar em vida, uma a uma, por fim, restou a última, nela debruçava-se um garoto de 12 anos que fumava escondido no 12º andar olhando para o demarcado estacionamento tão retilíneo, tão distante.
Ele fumava por solidão.
Se tivesse um gato não fumaria, e, se este soubesse cantar, poderia ser até mesmo feliz.
Não fume.
Eu fumo.
Autoria de Tiago André Vargas
Fotografia de Dennis Baker.

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