Publicado
em 1968 por Marcos Rey (1925 - 1999), Memórias de um gigolô é um romance que
permeia a boêmia paulista dos anos 30, época marcada pelo desenvolvimento
industrial e o princípio da formação da cidade de São Paulo como metrópole,
todavia, à margem do progresso fabril e econômico com suas esteiras de
produção, uniformes e horários regrados, o personagem autodiegético da história
acredita que a constituição do homem, ou ao menos a sua, é vagabunda em elogio nato.
A
narrativa inicia com o menino pobre criado pela tia, que, antes de falecer, diz
que ele deve procurar Madame Iara, mulher de confiança que o cuidaria garantindo
que nada faltasse para o seu futuro. O menino desamparado fica sob a tutela
desta Madame, descobrindo depois, ser ela uma amável dona de bordel. Criado não
só por ela, mas pelas “marujas” do navio (maneira como o personagem vê o
bordel: um grande navio, onde Madame Iara é a capitã e as prostitutas são as
marujas) o menino se desenvolve em um templo de prazeres e liberdades, cria fobia
ao trabalho formal e, guiado por esse único mantra de “não pegar no pesado”
acaba percebendo-se como um gigolô.
Transcrição
de um trecho do livro (1978, 2ª Ed. Editora L&PM), com interessante
abordagem ao homem que busca a prostituição para dizer-se "conhecedor do
mundo" e depois, malogrado, lamenta a efêmera experiência em silêncio, no
colo dos entes queridos:
A
casa de madame Iara, porém, eram também os seus fregueses: os ocasionais e os
habituais. Os ocasionais não ultrapassavam a média de dez por dia, e apenas aos
sábados e vésperas de feriados havia superlotação e filas. O movimento começava
depois do almoço e prolongava-se até as quatro da madrugada. Todos os cômodos
eram ocupados, por isso eu tinha licença de ficar na rua até mais tarde. Posso
dizer que esses fregueses pertenciam na maioria à imensa classe média, já que o
operariado não podia pagar a tabela exigida. Eram subgerentes e gerentes de
loja, professores, contadores, estudantes de cursos superiores, funcionários
públicos e bancários bem remunerados, donos de lojas e pequenas indústrias,
jornalistas, músicos de cabarés, apressados pais de família com
responsabilidades e um grande número de interioranos, entre eles prefeitos,
donos de jornais, de casa de jogos, turistas perdidos na grande cidade, médicos
e advogados de pequenas e mortas cidades. Boas pessoas que, após um curto
romance com Teresa, Berta, Simone, Luana ou qualquer outra, saíam de lá
felizes, realizados e acabavam por transformar sua euforia em níqueis que iam
às mãos profissionais do nosso Buster Keaton.
Esses
eram os ocasionais, que lá apareciam uma vez na vida e outra na morte apenas
para poder dizer aos outros que conheciam o mundo. Gente que, ao chegar em
casa, ia tomar leite na cozinha envergonhado de sua aventura e com verdadeira
ânsia de beijar os filhos e netos. Eram necessários milhares e milhares desses
tipos para sustentar o estabelecimento de madame Iara. Mas, felizmente, havia
os outros.
05.09.2015
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