sábado, 24 de março de 2012

Inerte

O céu revolto se debatia sobre a janela
Tudo era negro ou quase
O vento de luto
Minha camisa sem botão
Saí pela porta
Pus as mãos sobre os olhos
Areia voava
Grãos cinzas que não eram cinzas voavam como cinzas
O banco da praça não voava mas parecia querer
Andei para o mar
Sentei-me na areia
Assisti tudo girar
Plainar
Zumbir
As latas de alumínio esboçando decolo
Sem sol para fazê-las brilhar
E não havia cães
Árvores
Vida
Contemplava um desenho a carvão inacabado
Desenho cujo artista jogou fora
Como pôde não amassar?
As ondas eram empurradas contrariadas para mim
Fugiam repulsivamente de volta
Eram negras
Escuras como olhos de ratos
E tinham medo de mim
Fugiam de mim
E o desenho foi rasgado ao meio
Uma pipa brilhante
Voando alto
Voando baixo
A única coisa que voava
A única coisa que tinha vida
A única coisa colorida
Eu quis pegá-la
Poderia tê-lo pega
Mas hesitei por um momento
O tempo de uma onda quebrar
E ela voou mais alto
Além
E eu me tranquilizei
Pois agora não mais poderia tê-la
Nem que corresse
Nem que voasse
Ela se foi
Depois a tempestade cessou
Surgiram duas ou três cores
Um cão amarelo queimado
Uma lata de cerveja iluminada pelo sol
Uma banhista pálida
E tudo me pareceu ainda mais cinza
E as ondas não tinham mais medo de mim
Elas riam de mim
Sorriam como ratos
Quebravam nos meus pés
Falsas
Estavam de luto por um desconhecido
E eu também
Autoria de Tiago André Vargas
Fotografia de  Celine Theunynck.

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