domingo, 1 de abril de 2012

Ladrão de maquetes

Amarelo.
Vermelho.
Para o carro. Esquina. A fantástica esquina.
Era impressionante para Aloísio aquela sinaleira que sempre lhe recebia com sua luz amarela.
Vermelha.
Por quê?
Ele sabia o porquê.
Eram as cerejas.
Aquelas duas cerejas grafitadas no fim da parede que lhe eram tão convidativas, lembravam um jogo. Caça níquel. Já haviam duas, faltava apenas uma, certo? Aloísio não sabia muito sobre jogos, mas sabia que todo dia antes do trabalho parar naquela maldita sinaleira olhando para as cerejas sem saber onde a estreita rua levava lhe era angustiante.
E se ele dobrasse?
Não, chegaria atrasado ao trabalho.
Mas é sexta.
E daí?
Tem reunião!
Ligou a seta.
A sinaleira abriu e os poucos fios de cabelo que lhe restavam sobre o crânio pareciam agitados, temerosos, abraçavam-se em busca de conforto. Acelerou. Estava em um jogo? Começou a girar o volante se aproximando das cerejas e de perto o desenho parecia ainda mais bonito. Vistoso. Tentou se lembrar qual era o gosto de uma cereja, mas a atenção necessária ao dirigir pela viela impossibilitou.
Acelerou.
Emergiu algo.
Reduziu.
Uma mulher negra andando de short azul rasgado, suas pernas brilhavam como as de uma mesa de madeira sucupira que fora lustrada com força. Muita força.
Ela sorriu.
Era a terceira cereja.
Em segundas iniciaria uma tormenta de moedas no céu. Gritaria com os braços estendidos: Ganhei!
A beldade começou a abanar sua pequena e delicada mão como quem pede para baixar o vidro.
Aloísio baixou o vidro.
- Cê tem permissão pra andar por aqui?
- E precisa?
Talvez não fosse uma cereja. Ela gritou:
- Ô Zé!
Chinelo, bermuda, regata e uma Glock atravessada na cintura. O cabo pra fora, proposital. O Zé veio. Também não era uma cereja.
- Se perdeu amigo?
- Pois é, eu acabei dobrando essa rua errado, pensei que tinha que pegar ela para chegar na Coronel Pedro.
- Hum... Pegar uma rua sem saída para chegar na Coronel Pedro?
- Essa rua é sem saída?
- Tá de palhaçada comigo irmão?
- Imagina, eu realmente não...
- Que porra é aquela?
Zé apontava para uma maquete que Aloísio carregava no banco de trás do carro.
- Ah, isso é uma maquete que desenvolvemos para o trabal...
- Passa.
- O que?
- Aquela porra. Meu moleque vai gostar de brincar com ela. Passa.
- Ele vai gostar é de quebrar ela. – Disse as pernas reluzentes, deveria ser a mãe.
Aloísio entregou cuidadosamente. O pequeno prédio de isopor, os carros em miniatura, seu dia.
- Tá, vaza maluco e não entra mais nessa rua, você tem cara de policial tá ligado?
- Pode deixar.
Manobrou o carro 4 vezes sobre olhares atentos de Zé e saiu de frente. Tremia tanto que não conseguiria fazer de ré.
Assim que seus nervos permitiram adotou um vago semblante sorumbático e continuou seu caminho pragmático.
Chegou no seu trabalho.
Estacionou na sua vaga.
Entrou na sua sala.
Encontrou o seu chefe. Novamente não era uma cereja.
- Atrasado mas a tempo da reunião, onde está a maquete para discutirmos o projeto imobiliário em questão?
- É uma longa história senhor, eu posso explicar mas nem sei por onde começar sei que o senhor vai ficar muito...
- Onde ela está?
- Com um traficante.
- A maquete?
- Sim.
Mais que descrente, visivelmente ofendido disse:
- O senhor ainda valoriza o seu emprego senhor Aloísio?

No outro dia Aloísio mudou o caminho até o trabalho.
Jamais esqueceu o gosto de duas cerejas.

Autoria de Tiago André Vargas
Fotografia de Mateusz.

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