O marinheiro largou sua gorda âncora enquanto segurava rigidamente um semblante de desprezo.
Nunca desembarcara em terras tão tristes.
Havia algo de podre, senil, um pouco de brisa que carregava areia e morte através dos seus cabelos longos que brilhavam. Exceto estes, nada parecia realmente vivo.
Bastou erguer o rosto torturado por sóis de além-mar para avistar uma torre enorme, imponente, parecia ter sido construída por algum povo erradicado a décadas da vida como conhecemos.
No largo peito abrasou-se a intuição que significava algo.
Todos nós sabemos quando significa algo.
Entrou na torre.
Cada degrau avançado naquela escada circular parecia um sonho implorado, um desejo realizado, o último beijo trocado antecedente a tragédia. Olhava para as paredes lisas sem ornamentos, apenas as pedras encaixadas com maestria tal como as aranhas moldam suas vidas em círculos de teias. Apenas estas se ocupavam em decorar o lugar.
Podia-se dizer que tranquilo o marinheiro estava.
Com a mesma destreza que olhava para o horizonte e previa a força de futuros ventos, sabia que nada aconteceria naquele lugar até chegar ao topo.
A torre existe pelo seu topo e nenhuma torre é erguida por nada.
Chegando neste havia uma porta mais convidativa do que imaginava, abriu-a com facilidade, tal como uma garrafa de vinho barato.
Para sua surpresa igualmente nada havia lá.
Malditas terras. Como toda tristeza, também era vazia.
Precisou de um momento a mais para sua perspicaz visão atentar o quadro empoeirado e torto na parede.
Aproximou-se devagar, passo a passo e olhar fixo.
A pintura mostrava um caixão vazio e três donzelas o velando. Velando a quem? Um frio principiado na espinha findou-se na alma do marinheiro quando este percebeu que as três veladoras lhe observavam fixamente, tal faz uma mãe esperando o filho adormecer.
Um quadro de péssimo gosto.
Um motivo a mais para desancorar destas terras insalubres.
Arrancou-o da parede com brutal violência e uma aranha do tamanho de uma mão correu em direção ao teto.
Desceu as escadas correndo. A tranquilidade se fora.
Se havia aprendido algo nestes anos de navegação é que o mar tudo silenciava e o destino do infame quadro que carregava abaixo do ombro não seria outro, afundaria em águas escuras tão profundas que jamais ulterior desafortunado colocaria seus olhos sobre.
A pesada âncora foi erguida.
Velas içadas.
Lentamente o galeão começou se mover.
Quando a torre esmiuçou-se parecendo mais um graveto de pedra o marinheiro concluiu estar longe o suficiente.
Pegou o quadro de olhos fechados sem ousar fitar a pintura e o lançou para o mar. A pesada moldura garantiu que afundasse como uma moeda.
Ergueu novamente o rosto judiado e disse em voz alta para seu único dono, o mar: - Que venham novas terras!
Em póstumo momento houve outros pronunciados:
Primeira Veladora – Percebes o que muda?
Segunda Veladora – Sinto-me numa espécie de parto.
Terceira Veladora – Não sejam estúpidas, o quadro muda, mas nada muda.
Primeira – Sinto-me livre para ser qualquer coisa!
Segunda – Inclusive nada.
Terceira – Somente nada.
Assim que o quadro bateu no fundo do oceano havia algo diferente. Toda tinta havia se desprendido da antiga tela, esvaecendo-se em águas sujas, em escamas limpas, em pedras lisas como seios que somente o fundo do mar poderia conter.
A imagem remanescente era linda.
Por ninguém, jamais, foi vista.
Autoria de Tiago André Vargas
Fotografia de kata0427.
Muito bacana Tiago.
ResponderExcluirFoi uma pena eu não ter participado da primeira Oficina.
Mas vejo que desde o principio ela está sendo muito produtiva.
Seus textos são muito bons, não digo como crítica literária mas como leiga
simplesmente li, fluiu e gostei, ponto, são bons porque me fizeram ler até o final e eu gostei do que li.
Que venham mais Oficinas e que nos inspirem e faça brotar todas essas maravilhas escondidas em algum lugar de nossa alma.