sexta-feira, 6 de abril de 2012

Elas tatuam borboletas


As árvores voavam rápidas através da minha visão estática.
Talvez passassem por mim, ou, através de mim.
Não poderia fazer isso por muito tempo de qualquer forma.
Enjoo.
O ônibus parou, bem como faria outras vezes para rasgar minha rede de pensamentos recolocando-me em meu devido lugar. No ônibus.
Ela entrou.
Não foi simples assim.
O ar se eximiu um pouco, a gravidade desprendeu-se um pouco, a calota polar saiu da roda, o mundo saiu da rota, estávamos em queda livre no espaço azul escuro. Não. Eu estava.
Ela carregava consigo uma borboleta tatuada no colo.
Era mágico, como ver pela primeira vez uma girafa. Eu sorri o mínimo que pude para não chorar.
Ela escolheu seu lugar a esmo, não era isso que os olhos castanhos pareciam procurar. Mas algo procuravam.
Sentou-se dois bancos a minha frente na coluna oposta e meu olhar diagonal pode contemplar metade do seu rosto, o cabelo caía-lhe sobre a face suavemente antes dela enfiar o indicador por debaixo empurrando-os para trás da orelha.
Pequena orelha.
Pequeno brinco.
Pequena borboleta.
Aquela tatuagem parecia querer me gritar algo. Correr pelo céu, bater asas, ser livre. Ser leve. Ser belo. Ser elo para a dor. A lagarta, o casulo e somente depois a brisa leve acariciando aqueles que a podem enxergar.
Será que toda mulher que imputa uma borboleta abaixo da pele busca liberdade?
Cuidado?
Que alguém crie flores para seu deleite matutino nos quentes dias de março?
Ou será que é apenas uma questão de se transformar em outra coisa? Que coisa? Qualquer coisa, ora. Na impossibilidade de saber quem se és como saber quem virás a ser. Transforme.
O ônibus parou novamente relembrando-me do ônibus.
Ela se ergueu.
Recém tinha entrado e estava se encaminhando para descer.
Pude ver sua tatuagem novamente de relance enquanto morria alguns meses.
Será que ela tinha pegado o ônibus errado? Será que seus olhos castanhos encontraram algo? Uma resposta, talvez.
O ônibus arrancou. Nutrido do olhar mais compenetrado aproximei-me da janela fazendo com que minha respiração embaçasse-a. Me afastei um pouco.
Ela.
Colocou a mochila sobre os ombros agudos.
Olhei para a borboleta amarela seguida de sua face.
Os olhos castanhos olhavam para mim.
Me encontraram.
Nada mais.
Depois as árvores voltaram, velozes, indiferentes ao meu desejo.
Mas eu não poderia fazer isso por muito tempo.
O ônibus parou.
De vez.
Autoria de Tiago André Vargas
Fotografia de Celeste.

2 comentários:

  1. Fantástico. poético. Um quadro e uma música. Acaricia os sentidos, só de viver o momento em que imaginamos o instantes descritos no texto. Muito bonito.

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  2. Anna, muito bom ler a sua mensagem, de coração. Volte sempre.

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